Paquetá é aquela bela ilhazinha na Bahia da Guanabara, oficialmente um bairro do Rio, que pode ser percorrida inteirinha em menos de uma hora a pé e que ficou famosa por supostamente ter sido o cenário do romance “A moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Até hoje, a chamada Pedra da Moreninha, é um ponto que atrai as charretes e as bicicletas dos turistas em busca do silêncio das ruas bucólicas.
A mais surpreendente, porém, é Afuá, na Ilha do Marajó, no Pará. A cidade tem quase 40 mil habitantes e nenhum carro. Construída em grande parte sobre palafitas, a cidade é retratada com sensibilidade no filme de Falzoni.
A ausência dos carros nas ruas, para a diretora, ajuda a suavizar diferenças sociais. Em Afuá, “as pessoas ricas só são ricas dentro de suas casas. Da porta para fora, todas se locomovem da mesma maneira, a pé ou em bicicleta”.
O filme mostra como o trânsito de Afuá é uma combinação tácita entre os moradores, feita por assobios, barulhinhos, pequenas buzinadas, e troca de olhares. Tudo isso faz com que a circulação funcione e as pessoas consigam se locomover a pé ou em bicicleta, em meio a cachorros, crianças que brincam nas ruas e gente que sai de casa sem medo de morrer atropelada.
Afuá é o retrato de uma quase-utopia. Uma cidade que tanto pode ser vista como um passado antes do advento do carro, ou como um futuro, que já o abandonou. É um contraponto às outras cidades mostradas no filme, onde a bicicleta tem que disputar espaço com outros meios de transporte, levando trabalhadores no seu dia a dia.
O filme vai estar disponível em circuito aberto depois de passar por outros festivais. Para quem tiver interesse, ele também pode ser exibido em sessões abertas e em escolas. Uma curiosidade: Renata Falzoni e sua equipe só se deslocaram em bicicletas para fazer as filmagens por várias cidades brasileiras.
O Mobifilm
O Mobifilm, que já está na sua 3ª edição, é idealizado, dirigido e produzido por Eduardo Abramovay, em parceria com a produtora In-Brasil, com produção executiva de Leo Khedi. Abramovay vê na mobilidade um espelho das desigualdades brasileiras, mas acredita que o festival pode ajudar a jogar luz sobre os problemas e as soluções das metrópoles brasileiras.
Tive o prazer de ser jurado deste festival. Depois de assistir a todos os finalistas, a impressão é que temos um painel interessante das questões que afetam a mobilidade no Brasil em documentários, ficção, filmetes institucionais e até lindas animações.
Há muito material sobre as bicicletas e como elas podem ser uma alternativa de transporte. A bicicleta, muitas vezes glamurizada em algumas regiões da cidade, na verdade é um meio de transporte histórico, barato, não poluente e inclusivo. Mas há também vários filmes focados no transporte público, que expõem com crueza as mazelas do transporte público no Brasil.
Quem anda de ônibus e trem, com poucas exceções, encontra transporte cheio, ineficiente e pouco confiável. Quando o transporte público funciona, porém, faz com que aconteça um pequeno milagre – o milagre da inclusão, de colocar pessoas de extremos opostos da cidade em contato, como mostra o filme Mobilis, que mostra a gênese do hip hop no centro de São Paulo a partir do encontro de pessoas da zona norte e zona sul que começaram a acessar a região central depois da instalação da linha do metrô.
A segurança viária foi um dos subtemas do festival. As campanhas vencedoras são aquelas que tentam incutir noções de civilidade nos motoristas para tomar as decisões mais seguras no dia a dia.
No mais, o andar a pé aparece como parte essencial de todos os meios de transporte, e está presente, direta ou indiretamente, em todos os filmes. As pessoas andam até a bicicleta, o ônibus, o metrô. Andam até para pegar o carro ou a moto que estão estacionados mais adiante.
A mensagem do festival de mobilidade parece ser a de que, quanto mais acessível a cidade, quanto melhor o transporte, mais democrática ela será.
***
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas.