Mas não adianta ter mais bikes e pistas se a cultura não mudar. Estudo sobre a mobilidade das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto aponta que os portugueses ainda veem a bicicleta apenas como lazer e que há grande preconceito. Isso pode explicar a dependência do automóvel nos trajetos no Porto (67,6%) e em Lisboa (58,9%). Bicicletas nas duas maiores cidades portuguesas? A escolha é feita por 0,2% e 0,3% das pessoas em Lisboa e no Porto, respectivamente. Mas claro que nem tudo está perdido. Aqui pertinho de casa, na cidade vizinha de Murtosa, a bicicleta já é responsável por quase 17% da locomoção. para ajudar.
Uma das medidas incluídas no grande plano do governo é a inclusão do ciclismo no currículo escolar, com aulas práticas e teóricas sobre mobilidade, inclusão e cidadania. Além disso, há uma série de outras iniciativas, como a formação de patrulheiros civis de trânsito e a ampliação do seguro escolar de maneira a cobrir as deslocações de bicicleta para a escola. A ideia é proporcionar ferramentas e estrutura adequadas para que as crianças possam se deslocar com autonomia e segurança nos percursos entre escola e casa.
Segurança, aliás, é um foco importante de todas as propostas. Estudo da Federação Europeia de Ciclismo coloca Portugal na 27.ª posição neste quesito, entre os 28 países avaliados, considerando a elevada sinistralidade. Apesar de muito já ter sido feito, ainda morrem cerca de 600 pessoas por ano em acidentes nas estradas. É bastante comum por aqui vermos grandes grupos de ciclistas treinando nos acostamentos das estradas. A última revisão do Código de Estrada, de 2013, trouxe mudanças para dar mais segurança a esses ciclistas, mas ainda há a sensação de que a fiscalização e a penalização precisam ser aprimoradas.
Do lado do governo, a promessa é de aplicar a legislação de forma consistente, penalizando efetivamente os comportamentos perigosos e a falta de respeito com os ciclistas. Para quem pretende ampliar os 2 mil km atuais de ciclovias do país para 10 mil km em 2030, é realmente preciso investir muito em campanhas de segurança e sensibilização. De acordo com o programa apresentado, a expectativa é reduzir ao menos pela metade a sinistralidade.
A Estratégia Nacional também contempla ações junto das grandes empresas e instituições públicas e privadas, envolvendo-os na busca de soluções e tornando-os agentes de mudanças. Coisas simples, como mais e melhores espaços para o estacionamento das magrelas, bem como incentivos financeiros para que a bicicleta ganhe mais relevância, fazem parte das propostas. Planos Diretores Municipais também devem reforçar a presença da bicicleta sempre que tratarem de mobilidade e planejamento urbano.
Por essas e outras é que se vê, cada vez mais, projetos de incentivo ao uso das bicicletas nas principais universidades portuguesas. Em Coimbra, por exemplo, acaba de ser lançado um projeto piloto – o Ucicletas – para ceder bicicletas para os alunos. Nesta fase inicial, a iniciativa capitaneada pela Faculdade de Desporto irá ser restrita aos alunos do curso, que se comprometem a adotar as bicicletas como transporte diário e a criar relatórios sobre tempo de uso, distâncias percorridas e outros indicadores, alguns ligados à saúde. A partir deste piloto, a universidade deve ampliar o programa para as demais faculdades. O projeto tem o apoio da Federação de Ciclismo, que criará uma pequena oficina para revisões dentro do estádio universitário.
Outras universidades seguem pelo mesmo caminho e já avançam com seus projetos, todos incluídos numa iniciativa mais ampla chamada U-Bike Portugal, que distribuirá mais de 3 mil bicicletas em 15 instituições de ensino superior do país. Em Évora, foram disponibilizadas 500 bicicletas – elétricas e convencionais – para alunos e funcionários da universidade. A Universidade do Porto participa com 250 unidades, também elétricas e convencionais. O Instituto Politécnico de Bragança, a primeira entidade a participar da iniciativa, entregou 100 bikes. A Universidade da Beira Interior, em Covilhã, é outra que entra no projeto com mais 100 bicicletas para alunos e funcionários.
Aqui em Ovar, cidade que tem uma das maiores malhas de ciclovias do país, as novas pistas continuam a ser construídas. Um importante trecho que liga o centro da cidade a praia do Furadouro está sendo totalmente reformulado e uma nova pista, também partindo do centro, deve chegar ao “nosso” shopping center nas próximas semanas. Já temos cerca de 50 km de faixas e pistas para as bicicletas, por onde trafegamos com alguma frequência. No que depender do nosso pequeno núcleo familiar, Portugal vai superar a média europeia logo! E aqui somos todos “ciclistas-raíz”: a pedalada é com a força das pernas mesmo. Nada de bikes elétricas (ainda…)
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.