‘Opera Studio’ do Theatro Municipal será incubadora de jovens cantores líricos

Iniciativa da Fundação Theatro Municipal de São Paulo funcionará como incubadora de talentos e dará origem a um espetáculo ao fim de cada ciclo.

Até recentemente, um jovem aspirante a artista de teatro lírico tinha diante de si uma grade curricular limitada a disciplinas teóricas e aulas de canto. A precariedade resultava de contexto pedagógico enviesado, apoiado numa lógica míope de mercado, segundo a qual uma baixa produção operística não exige mais do que ensino básico. O cenário mudou e novos ventos chegam para soprar para longe o bolor desse pensamento limitante.

A partir de agosto começa a funcionar o Opera Studio, iniciativa da Fundação Theatro Municipal de São Paulo criada para o aperfeiçoamento de jovens cantores líricos. O curso, que tem como referência as grandes academias de teatro internacionais, funcionará como incubadora de talentos.

“O Opera Studio proporcionará um nível de aperfeiçoamento que ainda não se tem no Brasil. Os grandes cantores que temos foram aprendendo por empirismo”, afirma o maestro Gabriel Rhein-Schirato, convidado para coordenar o projeto.

As inscrições para as 12 vagas atraíram 85 interessados de todo o País. “Requeremos um nível alto”, diz Schirato, ao deixar claro que mesmo os alunos da Escola Municipal de Música terão de passar por rigorosa análise de currículo e prova prática.

Grande diferencial em relação a iniciativas semelhantes, ao fim de cada ciclo pedagógico, projetado para dois anos de duração, o Opera Studio montará um espetáculo.

Para Matheus Pompeu, cantor que trocou Belo Horizonte por São Paulo para frequentar a Oficina de Ópera, que precedeu o atual projeto, trata-se de oportunidade única. “O Opera Studio vai superar a Oficina de Ópera”, avalia o tenor de 27 anos, que se prepara com afinco para o teste.

A experiência anterior, diz, foi fundamental para alicerçar a segurança no palco. “O curso foi um divisor de águas na minha compreensão do que é o canto lírico. O fato de poder cantar toda semana para um maestro dá grande responsabilidade, você é tratado como profissional e isso incentiva a avançar.”

Ter contato direto com grandes nomes do cenário operístico internacional é outro forte atrativo. “Tivemos aulas com Gregory Kunde e foi fantástico”, diz, ao se referir ao prestigiado tenor americano que abriu a temporada lírica deste ano do Theatro Municipal com a óperaOtello.

Nos encontros com Kunde, os alunos puderam acompanhar os ensaios e o processo de criação. “Isso tem forte apelo”, frisa Leonardo Martinelli, compositor e diretor de Formação da Fundação Theatro Municipal. “Temos a peculiaridade de ser uma casa de ópera com temporada lírica regular e uma escola de música de 45 anos de história e 700 alunos.” 

A proveitosa experiência de dois semestres com a Oficina de Ópera forneceu as bases para formatar o curso que se inicia no próximo mês. “Hoje sabemos o perfil do candidato que queremos”, diz Schirato.

O aluno que participar do Opera Studio contará com aulas de interpretação, expressão corporal, idiomas (italiano num primeiro momento, depois francês e alemão), dicção, dança, maquiagem cênica, técnicas de leitura, percepção musical e solfejo, regência, aprimoramento pianístico, história e repertório operístico.

Na contramão de um cenário cultural que ceifa oportunidades, o projeto investe para colocar os alunos em pé de igualdade com os de outros países. “Aqui não se formarão cantores, mas artistas de teatro lírico”, frisa Schirato.

Ele comanda a equipe integrada por Márcio Gomes (assistente de coordenação), Keila Bueno (assistente de dramaturgia e direção cênica), Andrea Kaiser (professora de idioma, fonética e prosódia musical em língua alemã), Laura de Souza (preparação corporal), Martinelli (professor de História da Ópera) e Daniel Gonçalves (pianista).

“Não queremos quase nada, queremos tudo com muita qualidade”, sublinha o regente de 37 anos e sólida carreira no Brasil e exterior. O número pequeno de vagas garante o caráter personalizado do aperfeiçoamento.

“O Opera Studio vai oferecer o que poucas escolas no mundo têm, educação de alto nível e vivência com o dia a dia de um centro de excelência na performance lírica”, diz John Neschling, diretor artístico do Theatro Municipal.

O orçamento anual de 310 mil reais garantiu a contratação da equipe e a montagem de A Flauta Mágica, ao fim do primeiro ciclo, em dezembro. A ópera de Wolfgang Amadeus Mozart foi escolhida por ter personagens de cores vocais variadas e diversidade de protagonistas.

“Montar uma ópera é um grande diferencial, a experiência de palco é única”, comenta o baixo Pedro Ometto, de 30 anos, que disputa uma vaga no curso. Os seis meses de participação na Oficina de Ópera, diz, foram essenciais para o amadurecimento profissional.

“Aprendi não só ao cantar, mas ao observar os outros.” Ele enfatiza a importância de a grade curricular do Opera Studio incluir preparação corporal. “A demanda do público por cantor que sabe atuar é cada vez maior.”

“O intérprete lírico do século XXI precisa ter formação completa, ser bom ator, saber dançar, cantar até deitado. Não existe mais a cultura do cantor provolone, aquele sujeito gordo parado no palco”, provoca Martinelli.

“O público quer algo que o convença em todos os sentidos, não só vocal.” O espectador que converge para o teatro não é o mesmo de música clássica. “A turma do laquê desapareceu. O Municipal recebe várias tribos, o que é maravilhoso.”

Schirato, frequentador do ambiente lírico desde a infância, confirma a heterogeneidade das plateias de hoje e a relação emocional diante do espetáculo. “Ainda há quem vá a uma ópera como quem vai ver futebol, para se emocionar, torcer, sofrer. É visceral.” 

Ana Ferraz em Carta Capital.

 

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