No território identificado como uns dos mais feios e perigosos da cidade – “treta pura”, como já definiu quem por ali circula –, numa região que muitos chamam de decadente, a Cia. Mungunzá de Teatro “deu à luz” a um espaço multicultural, construído na base de um grande esforço coletivo e muito afeto também.
Em cerca de dois meses, o local foi montado com 11 contêineres marítimos, num terreno próximo à Estação da Luz, área central de São Paulo, perto das ruas que compõem a chamada Cracolândia, conhecido ponto de uso e venda de drogas de São Paulo.
No terreno antes abandonado, situado na Rua dos Gusmões, outrora habitado por ratos, além dos contêineres, que servem para espetáculos, há uma área para exposições, shows, oficinas e exibição de filmes ao ar livre. E, dando mais charme e graça ao local, foi construído no jardim um playground, a partir de materiais reciclados – entre esses, tambores de aço –, em parceria com o coletivo espanhol Basurama.
Inaugurado em dezembro, o espaço mudou a paisagem daquele pedaço do centro. Quem chega nas redondezas se surpreende com o colorido dos contêineres e com a singeleza do jardim, onde, com frequência, são vistos crianças e adultos brincando, interagindo com os brinquedos, ou simplesmente ocupando o lugar.
A construção consumiu o dinheiro que os sete artistas da companhia (Marcos Felipe, Virginia Iglesias, Sandra Modesto, Lucas Bêda, Verônica Gentilin, Pedro Augusto e Leonardo Akio) economizaram ao longo dos nove anos de atividade do grupo – algo em torno de R$ 270 mil. A escolha dos contêineres, explica Pedro Augusto, está no fato de o material ser mais barato do que outros, mas, também, pela diversas possibilidades de construção que eles propiciam, e pela mobilidade que possuem.
Pedro conta ainda que o terreno onde o grupo firmou seu espaço está sendo negociado com a prefeitura, mediante um termo de cooperação. “As negociações estão andando muito bem, estamos quase chegando aonde queremos”, diz. O grupo pleiteia o uso do lote por um período de três anos.
O ponto foi escolhido por várias razões. Primeiro, por ter sido identificado pelo grupo como um dos “vazios urbanos” da cidade, um espaço público com muito potencial, segundo Pedro, mas que se mantinha sem destino aparente. “Era utilizado eventualmente como estacionamento para os carros da Guarda Civil Metropolitana, localizada ao lado.”
Outro motivo para a instalação do teatro na região da Cracolândia é justamente o fato de o ponto estar situado num território considerado “treta”. Pedro ressalta que o entorno reúne pessoas que, de certa forma, estão à margem da sociedade. São imigrantes, usuários de drogas, moradores de rua e de ocupações. “Que projetos de lazer há para essa população? O Mungunzá vem fazer esse papel também. É preciso um novo olhar para democratização dos espaços públicos, é preciso investir numa cidade mais humana e mais plural.”
E, nessa linha, o Mungunzá criou uma estrutura ecologicamente sustentável. Os criadores do espaço fizeram uma horta hidropônica e a água é de reuso.
Da plateia, que tem 99 lugares, o público pode ver os atores se maquiando, numa concepção inovadora de teatro. Os portões ficam abertos a maior parte do tempo, pois as atividades não estão restritas às peças.
Com poucos recursos, a companhia está conseguindo atingir seu maior objetivo, que é chamar as pessoas à convivência, pois o antigo terreno continua sendo um espaço público, e a ocupação humana é muito bem-vinda em todos os horários.
A programação que o Mungunzá oferece e seus horários de funcionamento, assim como a sua história, podem ser acompanhados pelo site da companhia e pelo facebook.
Serviço
Cia. Mungunzá de Teatro – Rua dos Gusmões, 43 – Santa Ifigênia.
Página no Facebook: https://www.facebook.com/CiaMungunzaDeTeatro/
Site: http://www.ciamungunza.com.br/
Leia: Na Luz, a Cia Mungunzá inaugura o seu Teatro de Contêiner
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Por Maria Lígia Pagenotto no Sampa Inesgotável em parceria de conteúdo com o São Paulo São.