Uma cidade coletiva é uma cidade feminista

O espaço urbano não é neutro. A percepção da cidade, suas áreas de tráfego, de repouso, de socialização, não são o mesmo para uma criança e para um idoso, ou para um deficiente. Da mesma forma, homens e mulheres experimentam a cidade, a rua, o bairro e as residências de forma distinta. Entre o amplo espectro espacial que se abre desde o puramente público ao estritamente privado, existe toda uma paleta de fricções entre indivíduos, e entre os indivíduos, os objetos e os espaços. Pensar em como foram projetadas as cidades até pouco tempo atrás, suas ruas, bairros e lares, a partir de qual posicionamento político e social, nos leva inevitavelmente a falar de feminismo.

As cidades de hoje são resultado de uma justaposição de estratégias de desenvolvimento, ordem e controle, no caso da cidade formal, e de sobrevivência e urgência no caso da cidade informal. Em ambas, há setores sub-representados (que não são minoritários), que coexistem nesse espaço de fricção que foi gestado sem igualdade de participação na tomada de decisões. 

Falando sobre o tema com a gestora cultural e ativista feminista Marta Álvarez Guillén (@Marta_Al_VA), surgiram as seguintes questões:

As cidades são o habitat natural do ser humano no século XXI? Um planejamento urbano de e para o ser humano, ou para o homem?

“Se existe algum habitat que podemos chamar de “natural”, este hoje é o urbano, mas o urbano hipervinculado. O planejamento urbano neutro não existe, como tantas coisas regidas pelo heteropatriarcado, cumpre majoritariamente com as necessidades deste homem branco, hetero que vai trabalhar no centro de carro. Com isso, se constróem cidades nas quais existe uma clara primazia do uso do carro frente ao transporte público ou a bicicleta – instrumento chave para a independência feminina-, nas quais tende-se a separar as áreas de produção, as residências e as áreas comerciais, e nas quais há escassez de playgrounds ou espaços publico de socialização.”

Como se constrói a relação cidade, cidadania, cultura independente e feminismo?

Yayo Herrero, “ecofeminismo para um mundo sustentável”. Foto: Entrepueblos Castilla y León.

“A maioria das políticas que conhecemos segue um sistema de cima para baixo, ou seja, se enunciam propostas, se constroem normativas e se realizam projetos que o setor público – apoiado por empresas ou conselhos de análise e consultoras – gera e aplica em prol de um bem comum – sendo este entendido de uma forma mais ou menos estrita e com nuances. Existe, no entanto, outro modo de “fazer cidade” no qual a dinâmica é de baixo para cima, como estão fazendo diversos estudos e coletivos de arquitetura e urbanismo. Trata-se de uma prática política baseada na consulta cidadã e na participação real através de laboratórios cidadãos ou instituições que não reproduzem a cadeia de decisão hierárquica, mas respondem de forma direta às demandas cidadãs. Entendemos que, no sentido em que se trabalha em termos de abertura, transparência e horizontalidade, está se fazendo uma instituição feminista”.

Ana Asensio. Se passarmos aos setores informais de países em desenvolvimento, que representam uma parte muito extensa da cidadania, o replanejamento feminista da cidade está sendo empreendido a partir do reconhecimento e mapeamento da cidade e de seus espaços de singularidade e bem-estar, assim como a partir de assembléias e grupos de trabalho para reformular o planejamento urbano, especialmente a partir das favelas, com linhas de ação – pesquisa como formação e capacitação, intervenção comunitária, difusão, incidência em políticas, fortalecimento institucional, que são chaves para estas organizações (como Ciudad colectiva y Género).

Na Espanha são básicos os estudos sobre ecologia e feminismo de Yayo Herrero, através de Fuhem especialmente, um binômio posto em diálogo, aplicável ao replanejamento de nossas cidades. Um urbanismo feminista. E de fato, se queremos alcançar horizontes como os propostos pela muito ambiciosa Nova Agenda Urbana que garantam o futuro de um planeta urbano, é necessário compreender a perspectiva improrrogável de uma cidade feminista.

***
Por Ana Asensio. *Este artigo foi originalmente publicado com o título “Cidade coletiva é cidade feminista” no blog da Fundación Arquia.  

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