Por Ana Paula Wickert.
A Áustria foi vanguarda da reabertura de fronteiras para recebimento de turistas durante a pandemia. Analisando os números, percebe-se que o país viveu um decréscimo de casos desde maio de 2021, sendo que os piores momentos da pandemia foram enfrentados entre novembro de 2020 e abril de 2021.
Neste cenário, é interessante entender como a cidade de Viena, eleita por dez anos consecutivos como a melhor em qualidade de vida no mundo, enfrentou a pandemia e orientou suas ações para um futuro mais saudável, verde e sustentável.
A capital austríaca, de 1,9 milhão de habitantes, sofreu dramaticamente com a pandemia, como diversas cidades do mundo, já que nesta emergência sanitária cerca de 95% de todos os casos notificados no mundo ocorreram em áreas urbanas, caindo para a 12ª segunda posição no ranking em 2021. Ainda assim, Viena oferece lições para outras cidades, especialmente em relação a gestão de crises e construção de resiliência.
A questão da habitação é um dos pontos fortes da capital austríaca, já que a prefeitura vem investindo em programas de construções subsidiadas, uma grande diferença da cidade em relação a metrópoles como Londres, onde o custo de um apartamento de qualidade bem localizado é bem mais elevado.
A mobilidade urbana também é um aspecto de destaque. Antes da pandemia o sistema de transporte público já era muito bem estruturado, tendo um sistema multimodal muito eficiente. Em Viena, por exemplo, é possível despachar as bagagens do aeroporto na própria estação de metrô na área central.
Em relação ao uso da bicicleta, durante a pandemia a cidade rapidamente ampliou sua rede de ciclovias. Certamente ter o partido verde à frente da gestão municipal há mais de 10 anos contribuiu para essa virada sustentável. A cidade atualmente possui mais de 1.400 km de rotas cicláveis e 120 estações de aluguel de bicicleta, além de ter diversas rotas e ciclovias intermunicipais, sendo a mais famosa a ciclovia do Danúbio. Durante a pandemia o modal foi incentivado buscando aliviar a pressão do transporte público, sendo que em 2020, 9% das viagens foram feitas em bicicleta (dados da municipalidade).
Outras ações inovadoras também surgiram em Viena, como o projeto do Studio Precht, Parc De La Distance (em francês, para homenagear Versalhes), pensado para ser apreciado sozinho, ou no máximo de dois em dois. O projeto busca uma solução de desenho urbano para um espaço verde onde o afastamento social será natural, pois cria um percurso em labirinto com largura de 0,9 cm afastadas mais de dois metros umas das outras.
Viena é vanguarda do urbanismo e da arquitetura desde o século XIX. A cidade que é berço de Camillo Sitte (1843-1903); autor do estudo urbanístico: “Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos” onde propõe reavaliar a cidade através de seus espaços existentes, principalmente suas praças, porém sob um viés artístico, perceptivo e pitoresco; e de Otto Wagner (1841-1918); um dos arquitetos mais importantes do início do século XX, líder da Secessão Vienense, um movimento de ruptura com o historicismo do século XIX e um dos fundadores da construção de cidades modernas; acompanha debates muito profundos sobre questões de desenho, ética e estética urbana há mais de um século.
Na época da construção da Ringstrasse, Sitte e Wagner discordavam sobre os conceitos de planejamento da reforma urbana de Viena que seguiam os princípios definidos pelo Barão Haussmann Paris. No entanto, a discussão teórica e conceitual sobre a cidade, a importância das praças e espaços verdes, das ruas amplas e articuladas, aliadas ao pensamento de Alois Riegl sobre a preservação de monumentos históricos e da cidade medieval, tornam Viena hoje, além de uma cidade moderna e inovadora, um lugar pitoresco, humanizado e definitivamente uma das melhores cidades do mundo.
Aprender com Viena pode ser complexo, já que a cidade é herdeira de uma rica e forte tradição bastante erudita em relação ao urbanismo, preservação de patrimônio e estética arquitetônica. Porém, compreender as decisões das gestões contemporâneas em relação à problemática da habitação, mobilidade e resiliência pode ser algo mais tangível. Viena é uma capital relativamente pequena, dessa forma seu exemplo pode ser inspirador não só para outras capitais, que possuem desafios mais complexos, mas também para cidades médias, que podem ter nas soluções de menor escala referências para enfrentar o futuro próximo.
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