Os cerca de 40 km do Porto para Ovar, por exemplo, são quase um rolezinho de família, daqueles de domingo de manhã. Essa semana cruzei com um casal que estava chegando de Lisboa, suados, cansados, mas felizes pelos quase 300 km de pedal recém completados. E não economizaram elogios ao percurso. Mas se as longas distâncias empolgam muita gente, outros com quem falo ainda se assustam com a ideia de vencer muitos quilômetros.
O bom é que Portugal tem muito mais opções do que os cerca de mil quilômetros do trecho da Eurovelo 1 que atravessa o país. Quer um pedalzinho mais curtinho? Uma volta no quarteirão? Ou que tal, então, participar daquela que muitos consideram a menor prova de ciclismo do mundo? São só 265 metros de distância. Moleza, não? Ó, pá, na verdade, haja panturrilha e quadríceps para encarar esses metrinhos.
A “Subida à Glória” é uma rampa (Calçada da Glória) que a liga a Baixa de Lisboa (Praça dos Restauradores) ao Bairro Alto (Jardim de São Pedro de Alcântara). Normalmente, esse trajeto é feito por um pequeno bonde que corre sobre trilhos. Ou também a pé, o que já é bem cansativo…
A corrida, que acontecerá agora em 22 de setembro, recupera uma tradição centenária das corridas de rua em Lisboa. Disputada desde 1910, e oficializada em 1913, a “Subida à Glória” não sofreu alterações de percurso e é um grande desafio com sua inclinação vertiginosa. Depois de um longo intervalo em que a prova não foi realizada, a pequena grande corrida voltou a desafiar os ciclistas amadores e profissionais há quatro anos. Vai encarar? As inscrições estão abertas (https://www.subidaagloria.com/) para 300 ciclistas, amadores ou profissionais, com idade a partir de 16 anos.
Todas as subidas são cronometradas e os quatro melhores tempos, masculinos e femininos, disputam as semifinais e a finalíssima para descobrir quem é o “Torpedo da Glória”. Na primeira edição oficial, em 1913, a melhor marca masculina foi de 1 minuto e 5 segundos. Mais de cem anos depois, o recorde baixou para pouco mais de 35 segundos. Entre as ciclistas, o recorde é de aproximadamente 1 minuto. A “Subida à Glória” marca o início da Comemoração da Semana Europeia do Desporto, iniciativa promovida pela Comissão Europeia juntamente com o Instituto Português do Desporto e Juventude.
Os profissionais sobem quase que sem sentar no selim. Vão empurrando com força o pedal e seguem firme. Mas há aqueles que se aventuram com bicicletas bem simples, aro 16 ou 20, dobráveis, movidos basicamente pela energia da torcida que fica atrás do gradil montado ao longo da subida. Uns param no meio do caminho de curvas, chão de pedras e ainda os trilhos de ferro do bondinho que sobe sem grande esforço.
Eu nunca treinei para isso e acho que não chegaria ao final da prova. Mas há uma alternativa para aqueles “atletas” como eu: a prova também premia os competidores mais originais, independentemente do tempo gasto. Ou seja, já vou me preparar para assim que der a largada botar a bicicleta nas costas, caprichar numa fantasia “fixe” e subir tranquilamente a pé…
Mas para quem prefere deixar essa coisa de subir rampa para os carros 4×4, Portugal terá esse ano, também em setembro, a primeira edição do GFNY (Grand Fondo NY), prova realizada em vários países e que estréia em Cascais. Ao contrário da “Subida à Gloria”, a GFNY Portugal é uma prova de longa distância, com percursos de 162 km e 82 km, com desafios de resistência pessoal e competição contra outros ciclistas, amadores ou profissionais.Com tantas alternativas, pedalar por aqui é mesmo um prazer. Seja nas “provinhas” de 265 metros ou nas provonas de quase 200 km, a única “desculpa” para não sair desbravando esse país sobre duas rodas é o calor.
Neste último final de semana, a quarta etapa da Volta de Portugal teve o percurso reduzido em 27 km a pedido dos atletas, que vinham sofrendo com as altas temperaturas de agosto. Mas se o negócio for enfrentar a Calçada da Glória, nem o sol quente pode servir de pretexto para desistir. A prova é realizada à noite. Então, coragem e muito força nas pernas!
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.