Inserida nesse perímetro, a Prefeitura de São Paulo planeja medidas de revalorização de parte dessa área com o projeto Triângulo SP. O objetivo é potencializar o turismo, até internacional, e a vida noturna. As mudanças são focadas em seis eixos: calçamento, iluminação, segurança, zeladoria, atendimento socioassistencial e as chamadas estratégias de ativação. O último item inclui a reabertura em abril do terraço do Edifício Martinelli, cujo térreo terá um centro de atendimento ao turista pela entrada da Avenida São João, hoje fechada. O espaço também deve ser concedido para a iniciativa privada.
Para isso, a gestão Bruno Covas (PSDB) pretende utilizar um recurso de R$ 28 milhões do Ministério do Turismo, cujo empenho foi assinado em dezembro. Hoje, o processo se encontra em “cláusula suspensiva”, enquanto o governo federal aguarda o recebimento de documentos e dos projetos de engenharia e licenciamento ambiental. Além disso, também devem ser usados recursos do tesouro municipal.
Ao Estado, Covas disse que o triângulo – na verdade mais um polígono que compreende as Ruas Benjamin Constant, Boa Vista e Líbero Badaró – foi escolhido como a primeira parte de um projeto maior de recuperação do centro, que inclui propostas para o Vale do Anhangabaú e Parques Minhocão e Augusta. “Não podemos começar em todos ao mesmo tempo.”
“É uma área com infraestrutura, um grande calçadão, com pouco conflito com moradores, o que é muito difícil de achar na cidade. Então dá para explorar comércio, turismo, eventos, restaurantes, apresentações culturais depois das 18, 19, 20 horas, sem incomodar as pessoas”, diz. Covas afirma esperar “uma diferença grande” até o fim do ano, mas que isso dependerá da adesão da iniciativa privada.
Para Covas, a região central ainda está “muito degradada”. “O centro de qualquer grande cidade mundo afora é onde você recepciona os turistas, as pessoas são bem atendidas, onde você tem maior demanda para conhecer. Em São Paulo, é o contrário: as pessoas fogem do centro. A gente tem vergonha de mostrar o nosso centro.”
O Festival de Natal, que levou shows e outros eventos culturais noturnos para a região, foi um evento-piloto para o projeto. Segundo Covas, o retorno foi “muito positivo”. “E ter experiências que deram errado no passado fazem com que tenhamos modelos para evitar.”
Secretário quer ‘Soho paulista’
O projeto é coordenado pelo secretário de Turismo, Orlando Faria, que pretende transformar o perímetro no “Soho paulista”, em referência ao distrito londrino que atrai turistas e jovens adultos de classe média. Outra referência é Las Ramblas, área de calçadões do centro histórico de Barcelona. “O triângulo já é um museu a céu aberto”, pontua. “Só que às 19h somem as pessoas.”
Algumas das medidas já foram iniciadas, como a presença da Guarda Civil Metropolitana (GCM) nos 14 acessos à região. No núcleo, foram mapeados seis pontos de ativação, que receberão mobiliário urbano, como bancos, floreiras e um pequeno palco, até julho. São eles, os Largos de São Francisco, da Misericórdia e do Café e as Praças Manuel da Nóbrega, do Patriarca e Antônio Prado. Para este semestre, a Prefeitura planeja a promoção de dois eventos: um encontro de carros antigos e uma grande quermesse.
Na iluminação, começou a troca das lâmpadas amarelas por brancas, enquanto não sai a licitação que vai instalar LED na cidade. Junto a isso, os antigos postes, que estão em estudo de tombamento no Estado, serão pintados e consertados. Também foi recuperado o plano de iluminação para a região, de 2011, que inclui a intensificação nas fachadas e em pontos específicos.
Perímetro tem 250 pessoas em situação de rua
Segundo Faria, um levantamento feito pela Prefeitura identificou 250 moradores em situação de rua nesse perímetro, sendo um dos principais pontos a Praça da Sé. Para isso, a frequência de abordagens de encaminhamento para atendimento social aumentou. Na segurança, estão instaladas 148 câmeras, que serão incluídas no sistema City Câmeras, de monitoramento 24 horas, em abril.
Em relação ao patrimônio histórico, grande parte dos imóveis da área é tombada. Por isso, a SPUrbanismo vai lançar um plano de padronização das fachadas, para regular o tamanho dos toldos, anúncios e afins. Também haverá um plano de incentivo ao restauro de imóveis.
Aliado a isso, a gestão quer transformar a região em um polo de economia criativa, atraindo investimentos também estrangeiros. Para tanto, mandará um projeto de lei à Câmara para regulamentar o Território de Interesse Cultural e da Paisagem (TICP) Paulista/Luz, previsto no Plano Diretor, que permitiraão descontos e isenções de taxas, IPTU e ISS.
Outra ideia é que os guardas da GCM recebam formação para também atuarem como agentes de turismo, com atendimento bilíngue. Já no mês que vem, oito ônibus por semana levarão moradores da cidade para conhecer a região. A ideia é que o número suba para 32, um por subprefeitura.
A gestão também resgatou a ideia de trocar a pedra portuguesa por concreto moldado in loco e pré-moldado nas calçadas e calçadões da região, o que é discutido há mais de uma década. O entendimento é que o novo material facilitaria a manutenção e a acessibilidade, visto que hoje os espaços apresentam grande quantidade de buracos e problemas afins.
A mudança nos calçadões já foi aprovada nos órgãos de patrimônio municipal e estadual em 2018. A intervenção deve ter início em julho. Enquanto isso, no subterrâneo, serão colocadas canaletas para separar as redes de energia, telefonia e fibra óptica.
A proposta da Prefeitura de não fomentar a ocupação residencial dentro do triângulo é criticada por Eduardo Nobre, professor de Urbanismo da Universidade de São Paulo(USP). “Do contrário, pode ficar bom do ponto de vista estético, mas não traz modificação de fato”, comenta. “Se não tiver atividade residencial, não vai adiantar. É uma bola de neve: quanto mais gente for, mais atividade vai gerar. É possível ter isso. Nos últimos anos houve muitos empreendimentos no centro, no fim da Augusta, resultado de políticas públicas dos anos 1990 e 2000.”
Bares e casa de shows adaptam rotina ao centro velho
Por volta das 18 horas de uma quinta-feira, o movimento das mesas de bares no entorno da Praça Antônio Prado se misturava a artistas de rua que soltavam a voz, engraxates que tentavam pescar um cliente (“chefia, vai graxa?”) e sem-teto no chão. Ali, o bar Salve Jorge, aberto em 2006, atraía trabalhadores no fim do expediente, em clima de happy hour.
“As ruas são bem tranquilas, mas ainda não acho recomendável ficar por aqui depois das 21 horas”, disse o engenheiro Rodolfo Mendes, 31 anos. Apesar disso, o empresário Marcos Vinícius, de 39 anos, gosta da comodidade. “Para quem trabalha ou mora no centro, é a melhor opção. Você não precisa pegar o carro para ir a outros bairros.”
Perto dali, havia fila de espera para experimentar drinques que chegam a custar R$ 50 no Bar do Cofre, espaço do mesmo grupo do conhecido SubAstor e inaugurado em janeiro dentro do antigo Banespão, agora chamado de Farol Santander. “Trouxe amigos e familiares para conhecer o centro”, contou o empresário belga Lionel Sturnack, de 32 anos.
Mas a sensação de insegurança também influencia na rotina dos empreendimentos da região – o Salve Jorge, por exemplo, que tem dois bares na cidade. Enquanto o da Vila Madalena chega a funcionar até as 2 horas, o do centro fecha no máximo às 23 horas. Por causa do aumento da demanda, o bar do centro começou a abrir aos domingos no ano passado, só que durante o dia.
“É bem diferente. Na Vila Madalena, chega gente de tudo que é lado, turistas. Nos feriados fica super cheio. No centro, você vive mais de quem trabalha e, agora, do turismo que começou a ficar mais forte depois da abertura do Farol”, compara Wellington Romano, um dos sócios do espaço. Por causa do aumento da demanda, o bar do centro começou a abrir aos domingos no ano passado, apenas durante o dia.
Já Ricardo Garrido, um dos sócios do Bar do Cofre, conta que já tinha vontade de abrir um negócio no centro “há bastante tempo”. “(Foi) por falta de ter encontrado um ponto, uma localização, com uma situação em que a gente sentisse segurança, que o negócio teria chance de prosperar. Também motivou a gente, a certeza que o espaço iria despertar a curiosidade de muita gente (por ficar dentro de um cofre).”
No local, o funcionamento segue até a 1 hora, mas alguns funcionários precisam sair mais cedo por causa da limitação do horário do transporte público ou se organizam em grupos de carona. Já os clientes aderem principalmente ao transporte por aplicativo e táxi, já que são raras as opções de estacionamento noturno.
Rubens Amatto, sócio da Casa de Francisca, diz que um dos “pontos fundamentais” para atrair para o centro é o incentivo tributário. O local saiu dos Jardins para o centro em 2017 e, hoje, realiza cerca de 300 shows ao ano. Seguramente teríamos novas iniciativas que trariam muitos benefícios para a cidade se houvessem incentivos fiscais diante de todas as particularidades e complexidade do centro histórico de São Paulo.”
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Por Priscila Mengue em O Estado de S.Paulo. Colaborou Gilberto Amendola.