E tudo isso sem aquela retaguarda da família, dos avós e tios que sempre dão uma super mão, dos grandes amigos de toda hora. Mas longe de querer reclamar. Apesar de ser uma quinzena que nos deixa de cabelo em pé, nossa pequena “rede” de relacionamentos por aqui está sempre disposta a ajudar ou, ao menos, indicar alternativas para os miúdos nesta quinzena de Páscoa. E no final dá tudo certo. Compatriotas se amparam e os amigos portugueses também dão um jeito colaborar de uma forma ou de outra. Até porque o problema não é só para nós, os estrangeiros. Para a turma local, que trabalha, essas duas semanas também causam um grande impacto no dia-a-dia.
Este ano, parte da nossa salvação veio do basquete. O Ovarense, time importante da principal divisão do basquete português, organizou, como já faz há algumas dezenas de anos, uma semana de atividades esportivas para as crianças neste período, com direito a encerramento no ginásio do time e a participação da equipe profissional. Dia inteiro de atividades, lanche, almoço e muito esporte. E lá se foi o nosso pequeno, literalmente, tentar a cesta, ao lado de outros igualmente baixinhos, principalmente quando se alinhavam com os profissionais de mais de 1,90 m.
Ao fim do dia, chegava esbaforido reportando o placar do mini-campeonato que poderia os levar para jogar a “grande final” do encerramento da semana esportiva no grande ginásio. E parecia jogo de futebol de salão:
– Pai, hoje ganhamos de 4 a 1.
– Que bom, fez alguma cesta?
– Não passam muito pra mim, mas eu dou muitos passes.
– Mas foram poucas cestas mesmo, não?
– É que só tem um menino de terceiro ano que é mais alto…
Enfim, valeu, e muito, por toda a farra. E por cuidarem dos nossos filhos enquanto seguimos com a vida normal. E é impossível descrever a alegria de todos eles, brasileiros como o nosso, ou os outros tantos portuguesinhos e portuguesinhas cumprimentando os altos profissionais, ganhando brindes e – uau! – uma bola de basquete de verdade, entregue em mãos pelos grandalhões!
Esse pequeno relato descreve bem o que certamente acontece ao redor do país, com milhões de alunos e em milhares de escolas. Para ser mais preciso, são 1,6 milhão de estudantes da pré-escola ao ensino secundário em todo o país, de acordo com o último documento “Educação em Números – Portugal”, da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), com dados consolidados até o ano escolar 2014/2015. Vale lembrar que o ano letivo aqui começa em setembro e é dividido em três períodos. Em 2018/2019, o início foi na semana de 13 de setembro, com o primeiro período encerrado em 13 de dezembro. Uma rápida parada de Natal (lembrando que aqui é bem no meio do inverno) para recomeçar em 3 de janeiro. O segundo período foi até 5 de abril, encerrando com a Páscoa. As aulas recomeçam neste dia 23 de abril e seguem até 21 de junho, dia do encerramento do terceiro e último período. A partir daí, são longas e intermináveis semanas de férias de verão, até que tudo recomece em setembro. E no meio de tudo isso, ainda há uma pequena pausa para o Carnaval. Mas não se iludam achando que há poucas horas ou dias de aula ao longo do ano. Meu filho entra às 9h e passa o dia no colégio. Sai devidamente almoçado, lanche tomado e ainda com algumas páginas de dever de casa.
O relatório da DGEEC mostra que o número de alunos em Portugal – considerando as classes de pré-escola a ensino secundário – caiu cerca de 9% entre 2000/2001 e 2014/2015. Mas o indicador mais significativo é o da redução do número de escolas, que passaram de pouco mais de 16 mil para cerca de 8 mil, comparando o mesmo intervalo de tempo. E a queda se dá apenas nas escolas públicas. Das quase 14 mil escolas públicas do início deste século, o número desceu para pouco menos de 6 mil em 2014/2015. As escolas privadas mantiveram-se relativamente estáveis, passando de 2477 para 2598 em 15 anos. A redução das escolas públicas se deu principalmente nas pequenas aldeias, onde falta alunos. Ou seja, hoje há menos escolas, porém com mais alunos por estabelecimento. E nem é preciso ir para uma pequena aldeia para entender o fenômeno. Aqui mesmo em Ovar, a primeira escola do meu filho – colégio pequeno que o acolheu muito bem e onde ele aprendeu muito – tinha turmas que compartilhavam a mesma sala. Ou seja, a professora dava aula para duas turmas dentro da mesma sala. Neste caso específico, alunos do quarto e do primeiro anos dividiam o mesmo espaço, ao mesmo tempo. Não sei se é o ideal, mas deu certo. E com certeza deve ter ajudado a escola a ter se mantido aberta. É a população de Portugal realmente envelhecendo e não se renovando…
E por falar em envelhecimento, outro dado consolidado no último relatório é o da idade média do corpo docente. Quando analisado apenas o segmento do educador de infância, aquele que trabalha na fase da pré-escola, o percentual de professores com menos de 30 anos era de 17%, enquanto aqueles com mais de 50 anos respondiam por menos de 5% do total no ano letivo de 2000/2001. Quinze anos depois, a proporção inverteu-se completamente. Em 2014/2015 os professores com mais de 50 anos já eram quase 42% do total, enquanto os com menos de 30 anos de idade não chegavam a 8% de todo o corpo docente.
E não são só os professores que estão fazendo com que as salas de aulas fiquem mais “experientes”: há também um grande e importante movimento para incentivar o ensino de adultos, principalmente aqueles que não tiveram a oportunidade de completar o ensino básico ou secundário. O Programa Qualifica, lançado há dois anos, já recebeu mais de 300 mil inscrições neste período, o que deve fazer com que a iniciativa supere a meta de educar ou requalificar 600 mil pessoas até 2020. Parte destes milhares de inscritos é de alunos que concluíram, depois de “velhos”, o ensino básico ou o secundário. Em recente comunicado, o Ministério da Educação reforçou que “não existe uma reforma estrutural tão poderosa e socialmente inclusiva como o investimento em educação, formação e aprendizagem ao longo da vida”.
Ah, se todos os dirigentes pensassem assim…
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.