“As pessoas que vivem em condomínios fechados contribuem ativamente para o enfraquecimento e a corrosão do espaço público”. Tony Judt, ‘O Mal Ronda a Terra’ (Editora Objetiva, 2010).
As grande cidades crescem. E quando crescem, separam. Constroem muralhas urbanas. Condomínios fechados. Cercados. Por segurança privada. Em contraste, favelas abertas. Sitiadas. Por insegurança pública. Dialética urbana. Síntese arquitetônica. A segregação espacial integra todas as outras. A racial, a social e a econômica.
No Rio de Janeiro, os bem nascidos sonham com a utopia de uma cidade condomínio. Um cidade maquete. Limpa, organizada, segura, próspera e atrativa. Grandes herdeiros, rentistas, tecnocratas, executivos, empresários, proprietários, todos unidos em busca do sonho de uma nova cidade chamada Zona Sul. Um cidade oficializada. Com prefeitura e legislatura próprias.
Um apartheid geográfico legalizado. Uma Zona Sul higienizada. Separada. Emancipada. Protegida. Uma nova unidade da federação. Condominizada. Com as favelas expropriadas. Removidas. Gentrificada. Na utopia da cidade condomínio, os morros um dia serão ocupados por moradias de luxo. E o lixo varrido para debaixo do tapete da sala de estar da periferia.
Nesta utopia, os usos lucrativos do solo serão como sempre garantidos pelo direito civil. E pela força policial. Mas de uma forma muito mais radical e transparente. Sem ambiguidades. Sem contrapartidas sociais. A soberania do mercado será incontestável. Valorização imobiliária transformada em estatuto legal. Um novo plano diretor. Degradação ambiental amparada pelo direito como política urbana. Aprovada pelo Ibama. Projeto verde. Sustentável. Seguro. Racional. As crianças plantarão árvores. Os menores habitarão cárceres. Tudo amparado pela lei. Protegido pela segurança pública. E privada.
Em volta, um cinturão de pobreza chamado subúrbio, abraçará de longe a “Muralha Maravilhosa”. Sem tocar. Sem trocar. Povoada de gente que só serve para servir. Gente periférica cujo acesso ao condomínio Zona Sul será exclusivamente para fornecer mão de obra barata. Ao preço do custo da subsistência. Uma senzala, cuja casa-grande estará localizada a quilômetros de distância. Um mundo igual ao que vivemos hoje. Só que mais evidente. Mais explícito. Menos eufemizado. Sem culpa. Nem volta.
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Ulysses Ferraz, ator e escritor independente em seu blog.