A volta do Ca’d’Oro, tradicional e moderno

“Eu não disse que voltaríamos?”, comentou na tarde de quarta à reportagem do Estado Aurélio Guzzoni, filho do fundador do hotel. Voltaram, sim. Em um novíssimo prédio, moderno, contemporâneo e multiuso – os quartos do hotel ficam do 19º ao 27º andares; nos abaixo, com acesso por outra entrada, funcionarão escritórios comerciais.

“Mas a velha alma do Ca’d’Oro será mantida”, promete Guzzoni, que aos 66 anos deve atuar como conselheiro do empreendimento, agora comandado pelo seu sobrinho Fabrizio Guzzoni, de 37 anos. “Nos detalhes: o atendimento personalizado que nos deixou conhecidos e nos valores que tanto prezamos. O ideal é aliar a tradição com a inovação.”

O Ca’d’Oro está de volta 
 
 

O Ca’d’Oro das antigas também poderá ser reconhecido nos rostos de alguns funcionários que retornam ao time. Entre os seis “recuperados” está o mensageiro Mario Roberto Espolaor, de 68 anos, todo felizão. “Trabalhei aqui de 1979 a 2009. Quando fechou, foi aquela tristeza…”, conta ele. Arranjou-se como porteiro em um condomínio mas, nem bem soube que o hotel de sua vida estava para ser reaberto, voltou lá para assumir seu emprego de volta. Ao longo desta semana, já estava todo uniformizado à espera dos primeiros hóspedes da nova fase.

História. Mas o maior patrimônio mesmo do Ca’d’Oro está em sua peculiar história. “Foi o que fez com que mudássemos o plano inicial, de fazer apenas um prédio comercial ali, e investíssemos na reconstrução do hotel”, diz o executivo Ricardo Laham, diretor de incorporação da Brookfield Incorporações. “Estamos em um lugar que tem raízes, tradição, nome. Em vez de sermos o incorporador que encerrou uma história, vimos a oportunidade de prover o recomeço do Ca’d’Oro.”

Em suas décadas áureas, o hotel – e o restaurante contíguo – era refinado ponto de encontro de autoridades, intelectuais e artistas. O pintor Di Cavalcanti (1987-1976) chegou a morar ali durante alguns meses. O poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) e o escritor norte-americano Gore Vidal também eram figurinhas fáceis pelos corredores. Toda essa história foi registrada recentemente em livro – Grande Hotel Ca’d’Oro, de Celso Nucci e Marília Scalzo, foi lançado pela Editora Senac no ano passado.

 Foto: Tiago Queiroz / Estadão.
 

Entre os autógrafos orgulhosamente colecionados pela administração do hotel – conseguidos quando os ilustres ocupavam uma suíte ou uma mesa do restaurante -, há nomes como o do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), do cientista norte-americano Linus Pauling (1901-1994), dos escritores Jorge Amado (1912-2001) e Rachel de Queiroz (1910-2003), do cantor Roberto Carlos, do apresentador de televisão e empresário Silvio Santos e do ex-jogador de futebol Pelé. Políticos também tinham suas passagens registradas: o estadista francês François Mitterrand (1916-1996), o ex-governador paulista Mário Covas (1930-2001), o rei espanhol Juan Carlos I e os ex-presidentes brasileiros Ernesto Geisel (1907-1996) e Jânio Quadros (1917-1992), entre outros.

“Uma vez, quando ocupava a Presidência, Fernando Henrique Cardoso veio jantar aqui. Meu tio mandou que eu o interpelasse. Eu ainda era muito jovem, iniciante. Atender ao presidente foi meu verdadeiro teste”, recorda-se o atual gerente-geral Fabrizio.

Foto: Tiago Queiroz / Estadão.

Quando se submeteu a tratamento médico em São Paulo, o então presidente João Batista Figueiredo (1918-1999) chegou a despachar de uma suíte no Ca’d’Oro. Em 1991, o tenor Luciano Pavarotti (1935-2007) ocupou um dos luxuosos quartos – que foi totalmente reformado para recebê-lo.

A história hoteleira dos Guzzoni começou em Bérgamo, na Itália. Em um dos hotéis da família, Fabrizio Guzzoni (1920-2005) conheceu uma brasileira, com quem viria a se casar. Já em São Paulo, inaugurou o Ca’d’Oro – primeiro como restaurante, em 1953, na Rua Barão de Itapetininga. Três anos depois, na Rua Basílio da Gama, nascia o hotel. Poucos anos mais tarde, com 300 apartamentos, Guzzoni instalava seu negócio no endereço definitivo, na Rua Augusta.

Foto: Tiago Queiroz/ Estadão.

Para se ter uma ideia de como o Ca’d’Oro prezava a elegância, até 1962 era proibida, em seu restaurante, a entrada de homens sem gravata. Havia até uma placa, oficializando a norma. Depois, a regra foi abrandada – era exigido apenas o paletó, embora dificilmente algum frequentador dispensasse a gravata. A administração mantinha paletós para emprestar a algum desavisado. “A partir de 1978, não obrigávamos mais. Mas tínhamos uma plaquetinha onde se lia ‘agradecemos o uso do paletó’. E deixávamos o ar condicionado bem forte, para que todos preferissem usá-lo mesmo”, diz Aurélio.

Área de lazer no novo Hotel Ca'd'Oro. Foto: Tiago Queiroz / Estadão.

“Hoje, como vamos fazer? Penso que as coisas estão mais flexíveis…”, comentava na última quarta Aurélio com o sobrinho, Fabrizio. “Temos de entender que os tempos mudaram e uma refeição é também momento de relaxamento e lazer”, pontuava Fabrizio. “Mas aqui não é restaurante de resort de praia. Regatas, chinelos, isso não dá.”

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Por Edison Veiga no blog São Paulo do Estadão.

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