Abaixo o cotonete!

Beatas de cigarro (o nome dado às bitucas de cigarro aqui em Portugal), cotonetes e palhinhas (como são chamados os canudinhos por aqui) lideram o ranking dos materiais que mais poluem as praias portuguesas, apontam diversos levantamentos feitos por organizações independentes e por órgão ambientais oficiais do país. As bitucas, aliás, lideram essa lista nos principais levantamentos feitos ao redor do mundo.

Lote de beatas recolhido em praia no Algarve. Foto: Público.

O mesmo acontece com os canudinhos plásticos, a quem uma gama de organizações vem declarando guerra. Estima-se que a população de Portugal use um bilhão de palhinhas por ano, número assustador, mesmo frente aos 500 milhões de canudinhos utilizados diariamente nos Estados Unidos. Quanto aos cotonetes, o segundo maior poluidor das areias portuguesas, segundo o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental da Costa da Caparica, o mal não é “apenas” a contaminação pelo plástico: muitas hastes ainda trazem restos do algodão e podem oferecer riscos à saúde ainda mais graves. A Associação Portuguesa do Lixo Marinho lançou no final do ano passado a campanha “A Praga dos Cotonetes”. Trata-se de iniciativa que incentiva os banhistas a recolherem os cotonetes que encontrarem nas areias, enviando para a associação um breve relatório com os dados da coleta. Em alguns trechos do litoral, a entidade já recebeu relatos de 30 cotonetes em poucos metros de orla.

Foto: Justin Hoffman.Mas não é apenas Portugal que se movimenta para atacar os canudinhos e os cotonetes. A Comissão Europeia apresentou em Bruxelas, há pouco mais de um mês, medidas para reduzir a poluição nos mares e oceanos que incluem a proibição do uso de plástico em produtos como cotonetes, talheres e palhinhas, que representam 70% dos resíduos marítimos na União Europeia. De acordo com a proposta, nos casos em que existem alternativas facilmente disponíveis e acessíveis em termos de preço, os produtos de plástico descartáveis serão banidos do mercado. Os Estados-membros terão ainda que recolher 90% das garrafas de bebidas de plástico descartáveis até 2025, por meio, por exemplo, do pagamento de um determinado valor para os consumidores que devolverem suas garrafas plásticas

As propostas da Comissão ainda serão transmitidas ao Parlamento Europeu, mas Portugal já começou a dar alguns passos importantes. Uma iniciativa recém apresentada é a possibilidade de o consumidor levar suas garrafas plásticas para grandes redes de supermercado e trocar por vales-compra ou, em um segundo momento, criar taxas de retorno para as embalagens plásticas de água ou refrigerante devolvidas. Além disso, uma série de projetos em parceria com a iniciativa privada buscam também criar uma nova cultura e mudar hábitos da população ou, ao menos, sensibilizar as pessoas sobre a importância do descarte correto do plástico. Segundo a WWF, é o plástico, em forma de palhinha, cotonete ou coisa parecida, o responsável por 72% do lixo nas praias portuguesas.

Um dos projetos passa pela “minha” praia, Furadouro, a 5 km de onde moro. A proposta do “TransforMar” é percorrer 14 praias de norte a sul do país até meados de agosto, numa grande campanha de coleta de resíduos plásticos, que serão transformados em equipamentos de atividade física para a comunidade. Um grande “plasticódromo” já está instalado na areia serve como um depósito que estimula os banhistas a recolherem os seus resíduos e informa, a cada hora, o peso do plástico já recolhido, disseminando mensagens sobre o consumo responsável e descarte.

“TransforMAR" e o "plasticódromo": projeto de educação ambiental em 13 praias da região de Ovar. Foto: Divulgação.

O caminho é longo e o problema não está restrito ao litoral português. Também não cabe exclusivamente ao poder público ou à iniciativa privada. Se não houver uma grande articulação e uma importante mudança de mentalidade daqueles que são os principais agentes capazes de alterar esse cenário – ou seja, nós, os consumidores de cotonetes, palhinhas e afins – pouco mudará no curto prazo. Estamos, todos, consumindo mais, gerando mais lixo, mais resíduo. Dados recentes sobre a geração de resíduos pela população portuguesa e a reciclagem confirmam que a conta não vai fechar. Segundo o REA (Relatório do Estado de Ambiente), cada cidadão em Portugal continental produziu 1,32 quilo de lixo por dia, em 2017, totalizando 4,75 milhões de toneladas, mais 2,3% que no ano anterior. Ambientalistas e órgãos responsáveis pela gestão dos resíduos já declararam que Portugal não vai conseguir cumprir até 2020 as metas previstas para os resíduos, que é alcançar 50% na reciclagem (foram 36% em 2015, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente). Durante a recente apresentação do REA, em junho, o Ministro do Ambiente também confirmou que o país “está longe de atingir essas metas de deposição de lixo em aterro e de reciclagem e reutilização e  muito dificilmente conseguiremos cumprir nos próximos dois anos. Temos que, sobretudo, reutilizar e reciclar mais os resíduos que produzimos”.

Proposta da Comissão europeia defende a obrigação de utilizar materiais sustentáveis na produção de canudos, cotonetes e copos e pratos plásticos. Foto: Daily Express.

Por fim, vale lembrar que o mar que banha o litoral português é o mesmo que banha o Brasil e tantos outros países. O canudinho jogado no Brasil ou a palhinha jogada aqui podem acabar caindo em qualquer praia deste planeta. Façamos a nossa parte. Ninguém precisa beber no canudinho, muito menos fumar (e se fumar, não jogue a bituca ou a beata no chão ou na areia). Quanto ao cotonete… bem, não deixe de usar depois do banho, mas não jogue na privada, ou na sanita, como diriam por aqui…

***
Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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