Beatas de cigarro (o nome dado às bitucas de cigarro aqui em Portugal), cotonetes e palhinhas (como são chamados os canudinhos por aqui) lideram o ranking dos materiais que mais poluem as praias portuguesas, apontam diversos levantamentos feitos por organizações independentes e por órgão ambientais oficiais do país. As bitucas, aliás, lideram essa lista nos principais levantamentos feitos ao redor do mundo.
O mesmo acontece com os canudinhos plásticos, a quem uma gama de organizações vem declarando guerra. Estima-se que a população de Portugal use um bilhão de palhinhas por ano, número assustador, mesmo frente aos 500 milhões de canudinhos utilizados diariamente nos Estados Unidos. Quanto aos cotonetes, o segundo maior poluidor das areias portuguesas, segundo o Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental da Costa da Caparica, o mal não é “apenas” a contaminação pelo plástico: muitas hastes ainda trazem restos do algodão e podem oferecer riscos à saúde ainda mais graves. A Associação Portuguesa do Lixo Marinho lançou no final do ano passado a campanha “A Praga dos Cotonetes”. Trata-se de iniciativa que incentiva os banhistas a recolherem os cotonetes que encontrarem nas areias, enviando para a associação um breve relatório com os dados da coleta. Em alguns trechos do litoral, a entidade já recebeu relatos de 30 cotonetes em poucos metros de orla.
As propostas da Comissão ainda serão transmitidas ao Parlamento Europeu, mas Portugal já começou a dar alguns passos importantes. Uma iniciativa recém apresentada é a possibilidade de o consumidor levar suas garrafas plásticas para grandes redes de supermercado e trocar por vales-compra ou, em um segundo momento, criar taxas de retorno para as embalagens plásticas de água ou refrigerante devolvidas. Além disso, uma série de projetos em parceria com a iniciativa privada buscam também criar uma nova cultura e mudar hábitos da população ou, ao menos, sensibilizar as pessoas sobre a importância do descarte correto do plástico. Segundo a WWF, é o plástico, em forma de palhinha, cotonete ou coisa parecida, o responsável por 72% do lixo nas praias portuguesas.
Um dos projetos passa pela “minha” praia, Furadouro, a 5 km de onde moro. A proposta do “TransforMar” é percorrer 14 praias de norte a sul do país até meados de agosto, numa grande campanha de coleta de resíduos plásticos, que serão transformados em equipamentos de atividade física para a comunidade. Um grande “plasticódromo” já está instalado na areia serve como um depósito que estimula os banhistas a recolherem os seus resíduos e informa, a cada hora, o peso do plástico já recolhido, disseminando mensagens sobre o consumo responsável e descarte.
O caminho é longo e o problema não está restrito ao litoral português. Também não cabe exclusivamente ao poder público ou à iniciativa privada. Se não houver uma grande articulação e uma importante mudança de mentalidade daqueles que são os principais agentes capazes de alterar esse cenário – ou seja, nós, os consumidores de cotonetes, palhinhas e afins – pouco mudará no curto prazo. Estamos, todos, consumindo mais, gerando mais lixo, mais resíduo. Dados recentes sobre a geração de resíduos pela população portuguesa e a reciclagem confirmam que a conta não vai fechar. Segundo o REA (Relatório do Estado de Ambiente), cada cidadão em Portugal continental produziu 1,32 quilo de lixo por dia, em 2017, totalizando 4,75 milhões de toneladas, mais 2,3% que no ano anterior. Ambientalistas e órgãos responsáveis pela gestão dos resíduos já declararam que Portugal não vai conseguir cumprir até 2020 as metas previstas para os resíduos, que é alcançar 50% na reciclagem (foram 36% em 2015, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente). Durante a recente apresentação do REA, em junho, o Ministro do Ambiente também confirmou que o país “está longe de atingir essas metas de deposição de lixo em aterro e de reciclagem e reutilização e muito dificilmente conseguiremos cumprir nos próximos dois anos. Temos que, sobretudo, reutilizar e reciclar mais os resíduos que produzimos”.
Por fim, vale lembrar que o mar que banha o litoral português é o mesmo que banha o Brasil e tantos outros países. O canudinho jogado no Brasil ou a palhinha jogada aqui podem acabar caindo em qualquer praia deste planeta. Façamos a nossa parte. Ninguém precisa beber no canudinho, muito menos fumar (e se fumar, não jogue a bituca ou a beata no chão ou na areia). Quanto ao cotonete… bem, não deixe de usar depois do banho, mas não jogue na privada, ou na sanita, como diriam por aqui…
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.