Agricultura urbana gera renda e comida limpa na Zona Leste

José Aparecido Cândido Vieira, 65, era vendedor na rua Santa Ifigênia, o paraíso dos componentes eletrônicos na cidade de São Paulo. Saía de casa para o trabalho às 5h30 e voltava só às 20h, depois de passar o dia batendo perna entre as lojas. Mas os anos foram-lhe pesando, ele já não rendia tanto, o dinheiro começou a minguar. Há dois anos, ele jogou tudo para o ar e transformou-se em um agricultor urbano.

Nos extremos da zona leste, em um tal de Jardim Imperador, debaixo de um linhão de transmissão de energia elétrica da Eletropaulo, Vieira começou sua nova vida, agora plantando alface lisa, crespa, mimosa, roxa, couve, rúcula, temperos, almeirão, repolho, catalônia, maracujá e banana -tudo sem agrotóxicos ou fertilizantes químicos.

A horta de produtos orgânicos emprega a mãe e a mulher do ex-vendedor, que mora a uma quadra do atual trabalho. Rendimento mensal por cabeça: de R$ 700 a R$ 1.200, dependendo da estação.

Longe de se constituir em excentricidade, a agricultura urbana é tendência no mundo todo. Por encurtar as distâncias que normalmente separam o produtor de seus consumidores, as hortas urbanas são consideradas ecologicamente corretas. Porque não usam pesticidas, também. Porque prescindem dos atravessadores (o consumidor pode ir até o produtor), são socialmente mais justas, remunerando melhor o trabalhador agrícola.

À frente da implantação de 21 hortas urbanas voltadas para a geração de renda e de 32 outras, instaladas cem escolas públicas, está o administrador de empresas e técnico em políticas ambientais Hans Dieter Temp, 50, coordenador da organização não-governamental Cidades sem Fome/Hortas Comunitárias”. Esqueça a horta hippie, cheia de espécies exóticas, com agricultores da nova era.

O objetivo principal das hortas do Cidades sem Fome é a geração de renda e oportunidades de trabalho em comunidades carentes, como as existentes na periferia de São Paulo. Nas escolas, é contribuir com a qualidade nutricional das merendas, além de ajudar as crianças a vivenciar um mundo alimentar diferente dos supermercados.

“Tem terreno que não acaba mais disponível na cidade. São as áreas debaixo das linhas de transmissão da Eletropaulo, áreas cortadas por dutos de petróleo da Transpetro, terrenos baldios, áreas públicas abandonadas, além dos terrenos vagos nas 680 escolas públicas de São Paulo “, diz Temp (ele não tem os números precisos).

A ONG legaliza o uso do solo por intermédio de contratos de comodato e cede o terreno para trabalhadores selecionados de acordo com critérios de necessidade e vulnerabilidade, a partir de indicações das comunidades do entorno.

Mas, como manter essas hortas urbanas em uma cidade, como São Paulo, crescentemente acossada pela falta d’água? Segundo o ex-vendedor que virou agricultor, o dispêndio de água na sua horta é baixíssimo. “Depois do cultivo, nós recobrimos os canteiros com uma manta de capim que mantém a umidade do solo por vários dias”, diz. O resultado é que o consumo de água em sua horta de 900 metros quadrados é menor do que o de uma casa com cinco moradores.

Segundo Hans Dieter Temp, as hortas urbanas fomentadas pelo projeto Cidades sem Fome têm um tempo de maturação entre 12 e 18 meses para se tornarem auto-sustentáveis. A ideia é implantar essas hortas por toda a periferia, barateando o preço das hortaliças para as camadas mais pobres da população. “Em pouco tempo, quase 90% da população mundial estará morando em grandes cidades. É preciso inventar um modo para que as pessoas possam se alimentar de forma saudável, sem ter de importar alimentos imprescindíveis de lugares longínquos”.

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Laura Capriglione – colaboração para a Folha de S. Paulo.

 

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