Álvares de Azevedo um grande caminhante urbano

 
Em meados do século XIX, viveu por aqui um romântico incorrigível. Do alto de seus vinte anos, Maneco estudou, sofreu e escreveu sobre as suas dores, as suas vontades. E, indiretamente, sobre o cenário dessa vida: a cidade, que ele odiava. 
 
Cresceu no Rio e veio estudar direito em São Paulo. Não essa que conhecemos. Outra, uma que tinha 15, 20 mil habitantes. Que não tinha quase lojas, cafés, bares, vitrines, atrações. E que ficava quase inteira dentro do triângulo histórico e que ele percorreu de alto a baixo. 
 
O jovem Álvares de Azevedo não escondia seu desalento com a cidade:
 — “as calçadas do inferno são mil vezes melhores” 

E, coitado, também não escondia seu desconsolo com as mulheres: 
— “não há em parte alguma mulheres que tenham sido mais virgens que ali”. 
 
Para compensar, em alguns dias, bebia com os amigos na taberna, na verdade um lugar de terra batida que vendia algum destilado ou vinho em meio a rolos de fumo e velas. Em outros, visitava a Rua das Casinhas, de dia, a mais movimentada da cidade e, de noite, local de encontros furtivos.
 
 
Rua das Casinhas (1862). Foto: Militão Augusto de Azevedo 
 
Os estudantes do Largo São Francisco tentaram sacudir a cidade modorrenta. Escreviam jornal, faziam brincadeiras, discursos, bebiam e … visitavam o cemitério!
 
À beira dos túmulos, de madrugada, declamavam poemas aos gritos, excitados pela peraltice do horário e do frio. Diz a lenda que ele tinha uma caveira em seu quarto. Como ser romântico sem um apetrecho desses?
 
Nada se compara à glória de um discurso bem feito. Ainda mais se ele traz consigo um elogio da Marquesa de Santos, já promovida a Condessa, sim ela mesma: “A Senhora dona Condessa tinhame mandado prometer um ramo de flores caso eu ‘brilhasse’ no discurso”. 

 
Um dos passeios preferidos de Álvares de Azevedo era, de fato, ir aos saraus na sua casa elegantíssima, que, surpreendentemente, ainda está de pé, ali, pertinho do Pátio do Colégio. 
 
Mas, nada como um exercício matinal. Logo depois de acordar, um copo de leite e uma boa caminhada pela cidade. Imaginemos nosso herói andando pela bruma de uma cidade muito mais fria e úmida do que hoje. 
 
Ele sai de casa, dá uma grande volta, vê a a descida até o Obelisco dos Piques, segue paralelo ao vale, vai até o mosteiro de São Bento e na volta para casa, desvia dos buracos da calçada da Rua Direita, saúda um ou outro transeunte com a aba do chapéu, espera um homem a cavalo passar, contempla dois escravos que vendem doces, medita e segue em frente. E vai à escola, estudar, discutir, debater. 
 
É lá que ele se dá conta da maldição do 5º ano, um aluno morrera um ano antes, outro ainda, um amigo, dois anos atrás. E teme a própria morte. Tanto que morreu, de fato, não em São Paulo, sozinho, mas junto à família, no Rio de Janeiro, antes de completar 21 anos de idade. 

 
Se quiser saber mais sobre essa vida do poeta na São Paulo de 1840/50, leia o delicioso livro ‘Delírio, Poesia e Morte. A solidão de Álvares de Azevedo’ de Luciana Fátiam. A poesia e teatro de Álvares de Azevedo estão em ‘Macário’, ‘Lira dos Vinte Anos’ e ‘Noite na Taverna’.
 
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. 

*Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de S.Paulo.
 
 

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