Entre os quatro finalistas do programa Rolex Mentor and Protégé Arts Initiative, que tem o escritor moçambicano Mia Couto como mentor para literatura, Julián Fuks está começando a escrever o romanceOs Olhos dos Outros. Como conta, “foi uma casualidade tremendamente pertinente” o convite que os curadores Juliana Caffé e Yudi Rafael lhe fizeram para participar do projeto Residência Artística Cambridge. “Minha proposta é estar ali, conhecer os moradores da ocupação e ouvir suas histórias.”
Por outro lado, a convivência com os moradores do Cambridge já é rotina, desde meados de março, para o artista visual Ícaro Lira – e até janeiro de 2017, o antigo hotel também será base para as investigações artísticas de Jaime Lauriano, Raphael Escobar e Virginia de Medeiros.
“Resistência e arte para mim são sinônimos”, diz a artista Virginia de Medeiros. Convidada pelos curadores Juliana Caffé e Yudi Rafael a participar da Residência Artística Cambridge, ela conta que pretende ficar os meses de novembro, dezembro e janeiro – o que inclui o réveillon – hospedada na ocupação para criar sua obra. “Cada projeto de arte é um espaço de aprendizagem, transformação, invenção de novas formas de prazer e convívio”, explica Virginia, que vai realizar um trabalho em vídeo em parceria com a Associação Cultural Videobrasil.
São 15 andares de escada até o quarto oferecido pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) – braço da Frente de Luta por Moradia (FLM) –, responsável pela ocupação do Cambridge (leia mais abaixo), para os criadores da residência artística no edifício. Virginia de Medeiros, que participou da 31.ª Bienal de São Paulo (2014) com uma videoinstalação sobre uma travesti, Simone, conta que está interessada em encontrar pessoas que “vivem em condições de privação” e também se deixar “afetar por outros códigos, valores, ética”. “Para o filósofo Henri Bergson, a simpatia é um método que nos permite passar para o interior das realidades, apreendê-las de dentro”, afirma a artista, que trabalha entre o documental e o ficcional.
A artista Virginia de Medeiros em cômodo do antigo hotel Cambridge. Foto: Alex Silva / Estadão.
“Não sujar é mais fácil que limpar”, está escrito em uma placa logo na entrada do Cambridge, e os moradores (entre eles, 30 refugiados e imigrantes) vivem no local sob um “regulamento rígido”, conta Carmen. “Não aceitamos brigas, bebedeira, drogas, violência; e visita pode permanecer até as 22 horas”, explica a líder. As 169 famílias também contribuem, cada uma, com R$ 150 mensais para as despesas comunitárias. “Não queremos criar um Estado paralelo, queremos ser inseridos no Estado como cidadãos plenos”, diz Carmen.
Com “financiamento zero”, diz Juliana Caffé, e por meio de parcerias, o projeto Residência Artística Cambridge nasceu da experiência da curadora no edifício durante as filmagens, há dois anos, de Era o Hotel Cambridge, dirigido por sua tia, a cineasta Eliane Caffé. O filme, em processo de finalização – e que já recebeu o Prêmio da Industria Cine em Construção 28, do 63.º Festival Internacional de San Sebastián; o Hubert Bals Fund Suporte para Pós-Produção; e o Prêmio para Pós-Produção da região Île-de-France – é uma obra que mistura realidade e ficção. “Acho que tem muito a ver com a demanda do tema, de juntar movimento de luta de moradia com a questão da vinda dos refugiados”, diz Eliane Caffé.
A princípio, a diretora estava motivada em trabalhar com refugiados, mas a entrada no Cambridge abriu o projeto para atividades ainda muito mais amplas. “O filme foi gerido por um coletivo que permitiu transformar todo o edifício no set criativo da filmagem”, conta Carla Caffé, responsável pela direção de arte da obra, feita com os alunos da Escola da Cidade. Os poucos atores escalados, entre eles, José Dumont, contracenaram com os moradores da ocupação.
Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, faz palestra no Cambridge. Foto: Alex Silva / Estadão.
Programação
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Camila Molina no Caderno Cultura do Estadão.