Estamos falando aqui de Brasil. E principalmente de São Paulo. Mas é importante olharmos para as experiências de países que têm condições muito semelhantes às nossas, em termos de história e capacidade técnica, e que têm enfrentado as dificuldades com iniciativas criativas e muito potentes. Um deles é a Colômbia. Lá, igual aqui, há dispositivos para que imóveis vazios sejam convocados para fazer parte de programas de moradia. Este instrumento, que não é generalizado, se chama declaratoria de desarrollo prioritario, e o governo só convoca os imóveis quando já tem os fundos suficientes para reformar ou construir determinado tipo de moradia. Aqui, pelo contrário, se espera oito, nove anos para desapropriar. A saída da Colômbia seria uma forma de fazer com que o nosso instrumento, que é a notificação de ocupação compulsória, consiga estar mais ligado a uma política de produção de moradias.
Outra experiência relevante é a carteira de imóveis e terras públicos, vinculada ao Ministério de Vivienda e Ordenamiento Territorial do Uruguai, inclusive à cidade de Montevidéu. Essa carteira reúne imóveis de propriedade do governo central ou da cidade, e, com eles identificados, e identificadas as suas possibilidades concretas de produzir moradia, é feito um chamamento para que cooperativas (e o Uruguai tem um modelo cooperativista de produção de moradia muito grande, antigo, estruturado) possam fazer propostas de projetos. E isso já está associado ao Fondo Nacional de Viviendas, um fundo que destina recursos financeiros inclusive para a reabilitação de moradias.
No caso de Nova York, que também enfrenta um quadro de emergência habitacional, a cidade convocou os proprietários de apartamentos vazios a entrarem em contato com famílias que estão procurando moradia. Os aluguéis destes imóveis são parcialmente subsidiados por um fundo público de aluguel da prefeitura, e isso é muito diferente da bolsa-aluguel que a Prefeitura de São Paulo oferece, porque as pessoas ficam perdidas no meio da cidade tentando descobrir onde podem morar. No caso nova-iorquino, não: é gestão municipal que está mobilizando um estoque, inclusive privado, e pagando esses proprietários para que, com subsídios públicos, e a participação das próprias famílias, os imóveis ser destinados à moradia de aluguel.
Mas voltando a São Paulo: já há famílias morando nos imóveis reformados por meio de parcerias entre a Prefeitura e cooperativas de movimentos sociais, o programa de locação social, ou iniciativa do governo do Estado, o que comprova o sucesso dessas iniciativas. Mas este processo se estendeu por 10, 15 anos. Por que? Por conta da ausência de política adequada.
No cenário atual, é necessário primeiro tornar disponíveis os prédios vazios, depois mobilizar os financiamentos dirigidos para a reabilitação, e finalmente fazer com que tudo isso se encontre numa obra concreta. E isso por que? Porque não temos um programa ou fundo de financiamento habitacional específico para reformas. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, foi totalmente montado para financiar a construção de novas unidades habitacionais, e é até possível destinar recursos para a reforma, mas é um trâmite muito burocrático, lento, dispendioso de energia.
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Artigo publicado originalmente no Blogue da Raquel Rolnik com o mesmo título no dia 10 de maio de 2018.