Cidadãos inteligentes constroem cidades inteligentes

Em um relatório recém-lançado, a organização global Transparency Internacional destaca o Brasil como um país que demonstra preocupação em fornecer dados para incentivar o controle social e a participação democrática e que, até o momento, é um dos únicos países a publicar dados sobre os gastos governamentais, ao lado do Reino Unido. No entanto, o documento também ressalta que os dados abertos ainda são subutilizados, as ações anticorrupção são fracas e as informações divulgadas ainda não garantem o acesso ilimitado aos documentos relevantes para combater a corrupção.  

Uma das organizações mundiais que busca promover o conhecimento livre e a transparência da relação entre o governo e a sociedade, a Open Knowledge International está no Brasil desde 2013. A OK Brasil (ou OKBr), também chamada de Rede pelo Conhecimento Livre, acredita que os dados abertos têm a capacidade de gerar grandes benefícios sociais. Conversamos com Ariel Kogan, diretor-executivo da organização, sobre cidades inteligentes, dados abertos, a Lei de Acesso à Informação, entre outros tópicos. 

Você acredita que o conceito de cidades inteligentes está claro no Brasil? 

Ariel Kogan – Essa é uma pergunta difícil. Acredito que o conceito de cidades inteligentes não esteja claro em nenhum lugar do mundo. Aliás, existem muitas visões diferentes para o que é uma cidade inteligente. Uma das abordagens mais interessantes que venho acompanhando é a de que cidadãos inteligentes constroem cidades inteligentes. Muitos dos atores que vêm discutindo o assunto focam as conversas nas tecnologias disponíveis para construir cidades inteligentes. Eu acredito fortemente que muito mais do que tecnologias, precisamos pensar nas pessoas que moram e constroem as cidades – sem menosprezar as tecnologias que também cumprem um papel importante hoje em dia.

As pessoas já enxergam todo o potencial de uma sociedade mais transparente e aberta?

Não. Acredito que estamos começando a colocar luz nesse assunto e os efeitos são gigantes. Cada vez mais os cidadãos vão perceber a importância da transparência e da abertura de dados na gestão pública. É um movimento incipiente que está crescendo rapidamente e que, sem dúvidas, será uma das principais pautas políticas nos próximos anos. Ao mesmo tempo, estão surgindo iniciativas que mostram o potencial de uma sociedade mais aberta e transparente. Exemplos disso são as iniciativas Operação Serenata de Amor, que conta com o apoio da Open Knowledge Brasil, e o projeto Gastos Abertos, da Open Knowledge Brasil.

Como é o trabalho da Open Knowledge Brasil? Como a organização atua?

Por acreditar fortemente no potencial de transformação social que o conhecimento tem, a Open Knowledge Brasil atua pela abertura e também pela democratização de todo o tipo de conhecimento: cultural, ambiental, educacional, científico e político. Atualmente, a Open Knowledge Brasil trabalha prioritariamente com cinco projetos:

•    Open Data Index: índice de dados abertos do governo Federal, da cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro;
•    Gastos Abertos: abertura de dados de orçamento público;
•    OGP: participação nos diferentes espaços institucionais da Parceria Internacional de Governos Abertos;
•    Operação Serenata de Amor: no planejamento e busca de financiadores para a iniciativa.
•    Estamos desenvolvendo, em parceria com o Estúdio Fluxo, um projeto muito promissor de microfinanciamento de jornalismo independente.

Você pode dar exemplos de cidades que já estão incluindo as pessoas no planejamento ao abrir dados?

Esta é uma pergunta difícil. São dois processos que não necessariamente estão vinculados à gestão das cidades. Um deles é a abertura de dados públicos, outro é o planejamento participativo. Acredito que, em um futuro próximo, esses dois processos tendem a estar mais integrados. 
Uma das experiências mais interessantes que conheço nesse sentido é a Lei do Plano de Metas, aprovada em diversas cidades brasileiras, que obriga o Prefeito a elaborar um Plano de Metas para sua gestão, com base em indicadores e dados das cidades e construído com um amplo processo de participação. Talvez São Paulo tenha avançado nesse sentido, incorporando a participação social dentro de uma estratégia mais ampla de governo aberto. Sem dúvida, temos um longo caminho pela frente para todos os municípios brasileiros.

Quais são as principais barreiras que impedem as cidades de implantar modelos mais participativos de organização?

A principal barreira é a própria política. Atualmente, existem inúmeros exemplos de cidades pelo mundo que apresentam cases de planejamento e gestão participativa. Um dos exemplos é Paris, que está  desenvolvendo um processo de orçamento participativo 2.0, que integra  o online e o offline. Não faltam exemplos que possam inspirar os gestores públicos.

A participação no planejamento, na gestão, na execução e no controle social precisa ser uma prioridade do prefeito e da equipe que o acompanha. Outro ponto importante é o medo do novo. É preciso eliminar esse tipo de barreira. Muitas vezes, os processos participativos são novidades na cidade. É importante enxergar isso como uma oportunidade e não como uma barreira. Muitos cidadãos sabem mais sobre a própria cidade do que qualquer gestor público ou especialista.

Na sua opinião, a Lei de Acesso à Informação (LAI) é cumprida no Brasil? Sua efetividade é satisfatória ou precisaríamos de alterações na lei?

Essa também é uma pergunta complexa. A LAI é cumprida em alguns níveis de governo e por alguns órgãos públicos. Nas cidades, onde as pessoas moram e vivem, a LAI é menos cumprida. Talvez seja um dos principais desafios dos novos prefeitos o cumprimento efetivo da LAI.

Qual é a importância e o potencial da troca de experiências entre o Brasil e o Reino Unido?

Reino Unido é uma das principais referências mundiais de governo aberto. Eles têm uma das plataformas mais interessantes de dados abertos (Open Data), buscam fortalecer o ecossistema de aplicativos e plataformas que consomem esses dados para diferentes finalidades e vêm desenvolvendo um sistema de identificação digital que certamente poderia servir de inspiração para o Brasil.

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Por Daniely Votto no WRI Brasil.

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