Já sofri muito preconceito, por ser negro e esperto, diz Gustavo de 11 anos

Eram 2h30, mas Gustavo Gomes ainda estava acordado. É que o garoto leva a sério o desafio de escrever: “Mudei os textos umas cinco vezes e ainda achei que não ficaram bons.” 
 
Aos 11 anos, o menino se esforçava na madrugada para terminar as quatro colunas que deveria escrever para serem publicadas na “Folhinha”. Ele estreia como novo colunista do caderno neste sábado (10), falando sobre diversidade e igualdade. 
 
“No meu colégio tem bastante gente negra, mas acaba tendo preconceito”, diz o garoto, que é negro e estuda em uma escola municipal no Itaim Paulista (zona leste de São Paulo). “Uma menina tinha nojo de mim na primeira série, falava que não era para eu tocar nas coisas dela.” Ele afirma ainda já ter sido hostilizado pelos colegas por não gostar de futebol e por ser muito estudioso. 
 
O estudante conta que a mãe trabalha como ajudante-geral em uma fábrica, e o pai, que não mora com eles, é mecânico. Na coluna “Ideias….”, Gustavo vai falar também de outros assuntos do dia a dia na escola, como a tensão da semana de provas. “O professor tem que dar mais chance para os alunos darem sua opinião na aula, e não ficar falando sem parar”, critica. 
 
O garoto chamou a atenção na internet ao discutir sobre racismo em um vídeo que teve quase 395 mil visualizações. Em entrevista à Folha, conta qual foi o melhor dia de sua vida e quais são seus sonhos, entre eles o de escrever um livro que faça mais sucesso que “Harry Potter”. Leia abaixo a conversa. 
 
Você já sofreu preconceito?
Já sofri muito preconceito, por ser negro, por ser esperto e por não gostar de futebol. Quando tinha 9 anos, falavam que eu não era homem, que não era macho porque não gostava de jogar bola. O pessoal também ficava me chamando de “nerd”, falando que eu deveria usar óculos. Mas acho que não combina com o meu rosto, fica um negócio muito grande. Se bem que acho que vou precisar mais para frente, porque leio muito e fico muito no computador. 

 
O que houve para você achar que estava sendo vítima de preconceito?
As pessoas me xingavam muito de negrinho, de negrinho pastoreiro. Na minha escola tem bastante gente negra, mas acaba tendo preconceito. Já sofri preconceito até de pessoas negras e de pessoas que têm amigos negros. Uma menina tinha nojo de mim na primeira série, falava que não era para eu tocar nas coisas dela. Dizia: “Eu tenho nojo de gente negra”. E eu respondia: “Também sou humano, também sou gente, tenho que ser tratado igual”. Mas você pode usar o melhor argumento do mundo, e a pessoa não vai ouvir, porque você é negro e ela já está com isso na cabeça. É só uma desculpa para dizer que não gosta de você. 
 
O que você mais gosta de fazer?
Gosto de ler, de conversar e de ficar na internet. Fico procurando curiosidades, principalmente no Fatos Desconhecidos e no Mega Curioso. São os dois melhores sites da internet. Eu fico nisso o tempo inteiro, umas cinco horas por dia. Eles falam sobre coisas que ninguém sabe, tipo que sal também serve para limpar a panela. Se a comida ficar grudada e você jogar sal, ela sai mais rápido. 
 
Qual é sua matéria preferida na escola?
Varia com o professor. No ano passado, eu não tinha matéria preferida, porque só uma professora ensinava todas as matérias e eu não gostava dela. Nesse ano, eu estou gostando mais de português, porque a professora é bem legal. 
 
O que faz um professor ser bom?
O jeito que ele aborda a aula. Tem que bater papo, conversar, perguntar a opinião. Tem que dar mais chance para os alunos falarem na aula, e não ficar falando sem parar. 
 
Qual foi a coisa mais legal que você já fez?
A coisa mais divertida que eu já fiz foi uma viagem para Santos. Nunca tinha ido para a praia, foi maravilhoso! A melhor coisa foi dar uma cambalhota completa junto com a onda. Eu tinha uns seis anos, não lembro de nada antes disso, minha vida começou na primeira série. Por ter aquele valor sentimental de ser a primeira vez, foi um divisor de águas na minha vida. É como se fosse antes e depois da cambalhota: a.C. e d.C. 
 
Qual é o seu maior sonho? Meu maior sonho?
Nossa, eu sou muito sonhador. Na verdade muito iludido mesmo. Sei lá, conhecer o Barack Obama… Quero escrever um livro que faça mais sucesso que ‘Harry Potter’, que consiga ter tanto fã quanto ele. Já está no meu planejamento de vida. Mas ainda não sei sobre o que vai ser. 
 
O que quer ser quando crescer? 

Estou superindeciso entre ser escritor, psicólogo e arquiteto. Faz um ano que estou nessa indecisão. 
 
Qual é a parte mais legal de ser o novo colunista da “Folhinha”? 
É uma coisa bem alucinante, porque, um ano atrás, se alguém falasse que eu ia escrever uma coluna na Folha, eu ia falar: “Aham, senta lá”. E nesse tempo virei colunista e escrevi um livro de poemas. Vou lançar no dia 17 de outubro, aqui na biblioteca da escola. São poemas sobre tudo, desde café até planetas. 
 
Tem alguma coisa sobre a qual você queria escrever, mas não escreveu? 
Sobre música. Sempre quis dar a minha opinião, mas eu definitivamente não consigo escrever sobre música. Já tentei, mas saiu tão ruim que nem levei para as crianças e para a professora lerem. Não mostrei para ninguém. Até rasguei. Fico triste, porque eu gosto muito de ouvir e de cantar. 
 
Acha que toda criança pode escrever um bom texto? 
Acho que sim, só precisa de esforço. Não pode falar “eu não consigo”. Se você quer alguma coisa, tem que se esforçar. Acho que falta compromisso, não só entre as crianças, mas entre as pessoas. Elas acham que aquilo ali é só uma tentativa, se distraem com qualquer coisa. Tem que terminar. Você tem que se empenhar naquilo e colocar como projeto principal, e não deixar em segundo plano. 
 
O que recomendaria para quem quer ser um colunista como você? 
Recomendo que se esforce, que não deixe para escrever no último minuto. Coloque o melhor de si, revise o máximo que puder e veja se outros acham bom, além de você. Não é só escrever e mandar.
 
Se você quer ser um colunista como Gustavo, é só mandar um texto de mil caracteres para folhinha@uol.com.br, com nome, idade e “Ideias” na linha de assunto. O autor muda a cada mês e deve ter até 12 anos. O conteúdo é livre, você pode falar sobre brincadeiras, games e outros temas.
 
Júlia Barbon na Folhinha da Folha de S.Paulo.
 

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