Livro gratuito revela bastidores da transformação de São Paulo em uma metrópole

Por Denis Pacheco.

Apesar dos 470 anos completados em janeiro deste ano, a transformação da cidade de São Paulo em uma das maiores metrópoles do planeta é relativamente recente. Para mapear o começo dessa mudança, surgiu o livro O que se pensava sobre arquitetura quando São Paulo virou metrópole: desenhos e escritos em revistas (1900-1920).

Capa do livro: O que se pensava sobre arquitetura quando São Paulo virou metrópole: desenhos e escritos em revistas (1900-1920). Foto: Divulgação.

O e-book, disponível gratuitamente, é resultado de pesquisa de pós-doutorado realizada por Mirandulina Azevedo, arquiteta e professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, com organização de Aleska Kaufmann Almeida, também professora da UFMS, e Maria Lúcia Bressan Pinheiro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, que contribuiu com o prefácio. 

Mirandulina Azevedo. Acervo pessoal.

De acordo com Mirandulina Azevedo, “o objetivo da pesquisa foi abordar a teoria e a prática profissional nas duas primeiras décadas do século 20 no contexto cultural da metrópole paulistana”. Para a especialista, o período, crucial para a memória da cidade, carece de uma análise que, além de reconhecer a predominância italiana em São Paulo, destaque a contribuição de outros grupos estrangeiros na transferência de conhecimentos da Europa para a América.

Iniciado em 2022, o estudo se baseou em uma compilação de revistas de arquitetura que circularam em São Paulo entre 1900 e 1920.

As publicações incluíram a Revista Polytechnica, do grêmio escolar da então Escola Politécnica que viria a se tornar parte da USP, focada na disseminação do conhecimento técnico; a Revista de Engenharia, dedicada à divulgação da atuação profissional dos engenheiros; e o Boletim do Instituto de Engenharia, órgão oficial fundado em 1917, destacando o debate sobre a modernização da esfera pública em várias escalas.

As publicações, esclarece a especialista, foram utilizadas para uma observação mais precisa do contexto cultural em sua dimensão cotidiana e, em especial, para entender quem eram os sujeitos por trás do processo de construção de São Paulo.

Quem eram os engenheiros-arquitetos?

Croquis do Escritório Ramos de Azevedo para o Municipal. Reprodução: Ângelo Dantas/CMSP.

Conforme a autora, a peculiaridade da engenharia da capital paulista na época residia na figura do “engenheiro-arquiteto”, uma categoria de profissionais responsáveis pelos principais projetos públicos até então. Por meio das publicações analisadas, a pesquisa registrou a importância desses engenheiros na transformação da cidade, evidenciando seu papel diante de grandes obras públicas.

Na época, São Paulo passava por um boom populacional que exigia não apenas moradia, mas novos tipos de espaços públicos. “A população dobrou, passando de 250 mil para mais de 500 mil habitantes. A cidade não se constrói apenas com casas; e teatros, hospitais e escolas requerem um preparo formal. Esses engenheiros-arquitetos, em número reduzido, se apresentaram como agentes fundamentais na construção de São Paulo”, sumariza.

A professora lembra que as duas primeiras décadas do século 20 foram marcadas por projetos icônicos, como o Teatro Municipal de São Paulo, concebido por Ramos de Azevedo, professor da Escola Politécnica, e o Instituto Butantan, este produzido por ex-alunos da Escola Politécnica. A estreita relação entre docentes e estudantes, aliada ao propósito de contribuir para o desenvolvimento da cidade, gerou uma produção heterogênea de revistas, documentos fundamentais para compreender a efetiva virada de São Paulo para a condição de metrópole.

“Essas revistas, atuantes entre 1905 e 1913, publicavam palestras dos professores da época, como Vitor da Freire Júnior, diretor de obras da prefeitura, especialista em Urbanismo”, explica Mirandulina.

Uma metrópole cosmopolita​

Construção das fundações do-Viaduto Santa Ifigênia, 1910. Foto: reprodução SaoPauloinFoco.

A diversidade de temas abordados nas revistas, que iam desde aulas de geometria descritiva até questões relacionadas ao projeto urbano, destacava a riqueza do período. Conforme a arquiteta, esses veículos eram produzidos com os recursos disponíveis, e registravam a variedade de materiais utilizados na construção da cidade.

Um dos destaques do trabalho foi investigar como a evolução desses modos de construir e a convivência de arquiteturas diversas, como taipa de pilão (terra compactada em formas de madeira), ferro, alvenaria, tijolos e concreto, influenciaram a transformação da metrópole.

A combinação desses materiais, de acordo com Azevedo, resultou de experimentações e intervenções realizadas pelos engenheiros-arquitetos, que ousaram misturar componentes trazidos de fora e explorar sistemas construtivos inovadores em obras que permanecem até hoje. Não por acaso, a autora salienta que “essas obras foram preservadas porque eram públicas e representavam investimentos significativos”.

Por fim, o trabalho argumenta que a contribuição dos engenheiros-arquitetos vai além da técnica construtiva. “São Paulo não pode ser entendida apenas pela evolução linear de sistemas construtivos. E as tentativas e experimentações desses engenheiros-arquitetos revelam uma São Paulo viva, em constante transformação”, conclui Mirandulina Azevedo.

O livro está disponível gratuitamente no repositório da UFMS.

Mais informações: e-mail mirandulina.azevedo@ufms.br, com Mirandulina Azevedo

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Artigo publicado originalmente no Jornal da USP.

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