Ao me deitar, seus delicados quatro leques passeiam um vento suave no meu corpo nu sobre os lençóis. Fazem como se fosse uma massagem nos cinco ou seis sentidos. Em alguns minutos estou em estado de graça. Refresca o corpo e depois a alma. Como são eunucos, podem muito bem assistir programinhas safados com meu namorado. Aliás, diga-se de passagem, sem eunucos fica impossível fazer amor no verão.
E eles fingem que nem percebem que tem um casal na cama. O casal agradece a discrição deles e também a disposição, já que não se cansam de nos abanar, independente de nossa evolução. Na última noite, creio que a temperatura chegava aos 30 graus. Jantamos uma salada de folhas, com kani, tomate, manga e kiwi – era quase uma salada de frutas – e, ainda assim, foi o que agüentamos para amainar aquela fominha danada.
Os eunucos devem ter ficados irados, pois, pelo ritmo constante de seus leques, era de se esperar um desempenho bacaninha do casal. Porém, nocauteados pelo calor, a única opção que nos restava era abrir a janela, afastar a cortina, e ficar olhando, com a luz do luar, o movimento dos eunucos, cada qual com seu leque no téc-téc-téc cadenciado, que acabou por nos conduzir ao sono, ainda que agitado.
Ao acordar bem cedo, reparei que cheguei a puxar o lençol no meio da noite para me proteger do ventinho. Já era dia quando, depois de observar os incansáveis eunucos em movimento com seus quatro leques suspensos no teto de minha cama, desliguei a tomada. Meu namorado também se levantou e partimos para enfrentar mais um dia de verão tórrido na cidade de cimento. Ao menos era sexta-feira, e no final da tarde partiríamos para Cunha, para rever montanhas e noites amenas, deixando os eunucos a descansar.
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Marina Bueno Cardoso, jornalista, trabalhou na imprensa em São Paulo e na área de Comunicação Corporativa de empresas. É autora do livro “Petit-Fours na Cracolândia”, Editora Patuá. Publica crônicas quinzenalmente no São Paulo São que são replicadas no site literário www.musarara.com.br