Na Pinacoteca, ‘Paisagem nas Américas: Pinturas da Terra do Fogo ao Ártico’

Quando o francês Félix-Émile Taunay pintou Baía de Guanabara Vista da Ilha das Cobras, em 1828, ele queria mostrar para a França que o Brasil era, então, “uma jovem nação independente com um porto movimentado”, descreve a curadora Valéria Piccoli – e sem dizer da paisagem criada na composição, repleta de bananeiras, palmeiras e o Pão de Açúcar ao fundo. Já a brasileira Tarsila do Amaral tinha outras motivações quando criou, na década de 1920, pinturas sobre o mesmo Rio de Janeiro. Como afirma a historiadora da arte Regina Teixeira de Barros, a modernista incluiu a “população negra e marginalizada” nos cenários a fim de falar de (uma genuína) “brasilidade”.
 
A tela de Taunay está agora na primeira sala de Paisagem nas Américas: Pinturas da Terra do Fogo ao Ártico – e Tarsila aparece representada no último segmento da exposição, que será inaugurada neste sábado, 27, na Pinacoteca do Estado. Apresentadas na mesma mostra, as criações dos dois artistas tratam das diferentes formas de falar sobre o Brasil, mas Paisagem nas Américas, como diz o título, é um projeto muito mais amplo ao promover uma reflexão sobre história e identidade em todo o continente americano – de Norte a Sul ou de Sul ao Norte – por meio de 105 obras.


Vista de ‘Paisagem nas Américas: Pinturas da Terra do Fogo ao Ártico’, na Pinacoteca. Foto: Sérgio Castro / Estadão.
 
A exposição começou a ser desenvolvida em 2010, quando o museu brasileiro firmou uma parceria com a Terra Foundation for American Art, com sede em Chicago, nos EUA, e a Art Gallery of Ontario, no Canadá. “Não queríamos tratar do que a pintura da América repetia da pintura europeia, mas do modo como a história da América havia transformado a pintura de paisagem no continente”, explica Valéria Piccoli. A motivação da curadora da Pinacoteca e dos curadores Peter John Brownlee, da fundação estadunidense, e Georgiana Uhlyarik, da instituição canadense, trio que preparou a mostra, era destacar como a prática pictórica realizada entre o século 19 e meados do século 20 em diversos países americanos poderia contar “uma história comum”.
 

Visita preview e guiada para Patronos e Amigos da Pina com os curadores Valéria Piccoli (de frente), Georgiana Uhlyarik e PJ Brownlee.

Foto: Paulo Vicelli.
 
Paisagem nas Américas já foi exibida na Art Gallery of Ontario, em Toronto, e no Crystal Bridges Museum of American Art, em Bentonville, nos EUA, antes de chegar a São Paulo. “É a primeira vez que se reúne um material tão amplo sobre todas as Américas”, diz Georgiana Uhlyarik. “Todos esquecem que o continente é uma massa única, conectada nos dois hemisférios”, completa. A curadora ressalta que a exposição traz “obras icônicas” emprestadas de coleções institucionais e privadas de países americanos e da Europa – e que uma das forças do projeto é apresentar a questão da paisagem no continente para um público variado, ampliando as noções sobre o tema.
 
A mostra cria uma narrativa de forma cronológica, iniciada com o século 19, pois foi esse o período em que os países americanos se tornaram independentes, explicam os curadores, e a criação de identidade nacional começa a ser implicada na arte. “Pelas convenções da pintura de paisagem de um período anterior (ao século 19), não importava se o artista pintava um lugar real, ele imaginava um lugar quando o pintava”, explica Peter John Brownlee.
 
Como completa o curador, os pintores da exposição “pintaram o que viram” e muitos dos trabalhos foram construídos com base em “muitos esboços”. Em um sentido político, ainda, é possível dizer que a “identificação com a terra” era uma questão importante (e nova) na época. “Quando se faz uma exposição sobre pintura de paisagem, fala-se sobre território”, diz Valéria Piccoli.
 
Na sala inicial de Paisagem nas Américas, uma das várias versões da vista do Vale do México criadas pelo pintor mexicano José Maria Velasco (1840-1912) é referencial justamente por tratar e reforçar o que seria o local de origem de seu país, historicamente, pertencente ao povo mexica, por exemplo. Já As Cataratas de Montmorency, de Cornelius Krieghoff (1815-1872), é a representação de uma paisagem com gelo do Canadá e Vale de Yosemite, de Albert Bierstadt (1830-1902), o retrato de uma localidade típica dos EUA.
 
Na verdade, o espectador percebe ao longo da exposição que as questões propostas nas obras do gênero da paisagem são colocadas de forma sutil e que os “significados simbólicos” de cada trabalho estão incutidos em (muitas) camadas – diferentes assuntos desdobram-se entre recriações de pores do sol, vegetações e vales podemos observar.
Pintura de Tarsila do Amaral (E) em detalhe da exposição
Pintura de Tarsila do Amaral (E) em detalhe da exposição. Foto: Sérgio Castro / Estadão.

Quando a mostra chega ao segmento dedicado à modernidade, a mudança da linguagem e de técnicas utilizadas pelos artistas apresenta-se radical. Transforma-se, também, o “assunto da pintura”, como afirma a curadora da Pinacoteca, e a cidade e uma paisagem industrial começam a ser representadas com mais movimento e geometria em algumas das obras. O desfecho se dá com uma tela abstrata do venezuelano Armando Reverón (1889-1954), que indica a “dissolução da paisagem” em luz – ou seja, em branco.
 
Georgia O’Keefe entre destaques
1. Paisagem de Black Mesa, Novo México/ Sertão de Marie II, da estadunidense Georgia O’Keefe (1887-1986), é uma das obras mais icônicas da exposição. A pintura de 1930, emprestada do Museu Georgia O’Keefe, representa uma das “paisagens desérticas altamente estilizadas” da pintora, define Carolyn Kastner no catálogo – é o olhar interiorizado da criadora para o local onde vivia.
 
Paisagem desértica pintada em 1930 por Georgia O'Keefe

Imagem: divulgação.
 
2. Outro destaque é o livro de 1810 de Alexander von Humboldt (1769-1859). Na obra, o alemão propunha que a imagem de descrição de um lugar deveria conter a representação da vegetação típica, animais, vestuário, povos e topografia – e, como explica Valéria Piccoli, a edição tornouse modelo para os artistas viajantes do século 19. 

 
3. Vista do Rio de Janeiro (1837), do austríaco Thomas Ender (1793-1875), veio de Viena para integrar a exposição. O óleo foi exposto pela última vez no Brasil em 1994. 
 
4. Vale destacar o único representante do Caribe, o porto-riquenho Pío Casimiro Bacener (1885-1890), autor de Fazenda La Serrano. 
 
Serviço
Paisagem nas Américas. 
Onde: Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, tel. 3324-1000.
Quando: 4ª a 2ª, 10h/18h. R$ 6 (grátis aos sábados). Até 29/5.
Abertura no sábado, 27, às 11 h.

***

Camila Molina em O Estado de São Paulo.
 

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