Silva conta que, muito antes de se tornar um dos bairros mais conhecidos e valorizados do Rio, na década de 1880, o Leblon foi um local de refúgio de escravos. O quilombo ficava na chácara do comerciante português José de Seixas Magalhães, no Alto Leblon, onde hoje está parte do Clube Campestre, e na Chácara do Céu. Antes disso, o local integrava as terras do francês Le Blond, que deu nome ao quilombo e, posteriormente, ao bairro.
Num Rio cada vez mais abolicionista, Seixas e outros simpatizantes da causa ajudavam os escravos a fugirem. Segundo Silva, o quilombo se diferenciava de outros porque era um movimento político. Por ser relativamente perto do centro urbano, sua existência era sabida; e o local, frequentado por abolicionistas e imigrantes.
Ex-escravos fazem reverência à Princesa Isabel com camélias em ilustração de Angelo Agostini.
Para Eduardo Silva, o quilombo do Leblon é uma síntese do Brasil moderno, já que contou com a participação ativa de negros e de mulheres. Havia no local um modelo social que se articulava para transformar a estrutura da sociedade escravista vigente na época. Apesar disso, sabe-se muito pouco sobre a liderança negra do movimento, já que quase todos os escravos fugidos não tinham seus nomes registrados. Por outro lado, é conhecido o apoio de políticos, como Rui Barbosa, e jornalistas, como José do Patrocínio.
— O quilombo do Leblon já é a modernidade penetrando o Brasil. É a participação das mulheres, dos negros, dos imigrantes. Não são os negros isolados rompendo com a sociedade, mas sim os negros articulados transformando essa sociedade. Isso que é o Leblon. O modelo foi replicado depois em outros lugares do país — explica Silva.
Seixas e os quilombolas cultivavam camélias na chácara. A flor, muito rara no país, era fornecida ao Palácio das Laranjeiras, onde residia a Princesa Isabel. Ela, por sua vez, fez aparições públicas com buquês de camélias, que também enfeitavam sua mesa e sua capela. A flor se tornou um símbolo do abolicionismo. Os apoiadores da causa não poupavam camélias em seus jardins e lapelas.
— A Princesa Isabel é a redentora não porque ela assinou a Lei Áurea, como muita gente pensa. O Brasil era uma monarquia parlamentarista, a lei era discutida na Câmara dos Deputados, passava para o Senado e ia para ela. Mas porque ela aparecia publicamente com camélias, que eram um símbolo abolicionista e subversivo — afirma Silva.
A flor foi anos depois usada como símbolo de debates sobre as cotas raciais e as ações afirmativas, dando nome ao projeto Camélias da Liberdade e ao Prêmio Camélia, voltado para a comunidade negra. Segundo o conselheiro do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, Ivanir dos Santos, a camélia, além de seu significado histórico, consegue sensibilizar as pessoas.
— Ela já era um simbolo dos abolicionistas radicais, que não queriam negociação com os donos dos escravos. Quando começou o debate sobre as cotas na sociedade brasileira, houve muita resistência. Nós resolvemos usar as camélias, já que negros e brancos tinham usado o símbolo para a abolição. Quem pode ser contra uma flor? — questiona.
Mesmo com as recorrentes lembranças do simbolismo das camélias e da história do Leblon, seja pela comunidade negra, seja pelos artistas, Santos lamenta que esse passado seja ignorado pelos brasileiros:
— Parte da sociedade quer ignorar a História e a escravidão. Aconteceu no passado, mas ainda há resquícios. É uma marca da sociedade que ela quer ignorar, como se não tivesse existido. As pessoas acham que com a abolição houve igualdade. A camélia trabalha a lembrança e a perspectiva das políticas de inclusão.
Silva completa:
— Há uma má compreensão do que é o Leblon, de que é um bairro branco e rico, assim como do que é o Brasil. As pessoas querem rejeitar, mas a formação do Leblon nasce e inclui a comunidade Chácara do Céu. E com a a abolição, houve a continuação dessa comunidade e o surgimento de comunidades no Vidigal e a na Rocinha. Assim nasceu o Leblon.
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Júlia Amin em O Globo.