O ano em que meus pais não saíram de férias

A avó agora faz pilates e dança de salão, está super ocupada, nem de longe é aquela igual a dos desenhos que fazia biscoito pros netinhos (tá certa ela, né?). O avô também não pode ajudar porque está fazendo um freela no Uber, quem consegue viver apenas da aposentadoria do governo?

E assim as crianças que a gente tanto ama viram um “problema” a ser solucionado nos meses de julho, dezembro e janeiro. “As aulas têm que começar antes do carnaval, meu Deus do céu, o que a gente vai fazer com os meninos?”, nos perguntamos, sem cerimônia, sem pensar o que essa pergunta esconde de tão grave.

Os meninos que colocamos no mundo. Não sabemos o que fazer com eles nas férias.

Até sabemos, vai. Mas não temos tempo para aproveitar suas presenças, não confiamos mais na humanidade para deixá-los que brinquem sozinhos na rua e não temos mais quintal com árvores para que subam, machuquem-se e nos matem do coração.

Os clientes, os prazos e os chefes estão lá, girando seus moedores de gente, alheios às férias escolares. Se você for mulher, tem que mostrar aos três que a maternidade não te “deixou mole” e que, por isso, você não vai pedir “uns dias” em julho, no meio daquele projeto super importante (para a empresa, claro). Se você for homem vai ouvir um boquiaberto “mas sua mulher não pode cuidar dos seus filhos nas férias?” assim que disser que quer um tempo em julho para curtir as crianças afinal, você é o pai delas.

Assim vamos perdendo os machucados, os sorrisos e as descobertas que só as férias podem trazer. Nossos filhos podem aprender a andar de bicicleta sem rodinhas ou nadar sem bóia pela primeira vez. Também podem se chatear com o amigo do prédio ou “perder” o tampão do dedo jogando futebol descalço. E não seremos nós que vamos passar o merthiolate ou enxugar as lágrimas. Também estaremos no escritório na hora de dar aquele conselho ou o abraço. No meu caso quem está no comando é a professora do curso de férias da escola que deve ter colocado o próprio filho no curso de férias da escola, para que ela possa cuidar dos filhos dos homens e mulheres que trabalham para ter dinheiro para, entre outras coisas, pagar o curso de férias da escola, claro.

Meu amigo Alberto Villas escreveu na Revista Carta Capital, como sua mãe lidava de um jeito diferente com as férias dos cinco filhos na Belo Horizonte dos anos 60: “Nenhuma preocupação passava pela cabeça da minha mãe naqueles trinta e um dias de julho (…) Quando o primeiro dia de férias chegava, lembro-me bem dela recolhendo nos nossos armários, os uniformes do Colégio Marista e do Colégio Sion e colocando dentro de uma sacola para levar para a Lavanderia Eureka. Só isso. As férias propriamente ditas, eram por nossa conta”, lembra. Os cinco pequenos tomavam café da manhã e desciam para o quintal. Depois almoçavam, mais quintal. Eram 30 dias descalços e com a agenda livre, preenchida apenas pela imaginação. A mãe não trabalhava fora, mas tinha muito o que fazer dentro de casa. Culpa? Acho que nenhuma. Ela fazia o que podia por eles. Pensando bem, igual a gente.

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Rita Lisauskas no Blog Ser Mãe é Padecer na Internet.

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