Nesse final de semana, São Paulo estava novamente em festa. Para sensibilizar os cidadãos sobre a necessidade de proteger o patrimônio e, ao mesmo tempo, mostrar que ele está vivo e que pode estar integrado ao cotidiano da cidade, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), através do seu Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), promoveu a Jornada do Patrimônio.
Inúmeras entidades e proprietários aceitaram o convite de abrir seus imóveis de interesse histórico para o público, incluindo visitas guiadas e roteiros que permitiram conhecer melhor a nossa história.
Para dar mais vida aos espaços e atrair um público leigo ainda não habituado a esse tipo de programa, foram agendados nesses edifícios inúmeros eventos artísticos – apresentações de música, teatro, cinema e dança, além de debates e palestras. A proposta se relaciona com a educação patrimonial, elemento essencial para massificar o interesse da população sobre esse tema.
A Jornada marca o esforço que a SMC está fazendo para integrar o patrimônio na efervescente vida cultural da cidade, de modo articulado com o desenvolvimento urbano e econômico. Ao invés de ser visto como um obstáculo, a preservação da memória deve ser vista como um ativo, que gera oportunidades para os proprietários e um leque imenso de possibilidades de uso e fruição.
Dessa forma, avançamos na política de preservação, que hoje sensibiliza especialistas, movimentos urbanos e coletivos culturais, mas ainda está longe do grande público.
O acelerado crescimento de São Paulo gerou a destruição de bens culturais relevantes, sob o argumento de que “era o preço do progresso”. Privada de edifícios representativos, mirantes e paisagens, a cidade foi ficando sem memória e identidade, processo que a criação do Iphan e do tombamento, em nível nacional, em 1937, não conseguiu interromper.
Essa trajetória começou a ser alterada há 40 anos, em 1975, quando foi criado o DPH, no âmbito da política cultural do municipal, e realizado um grande inventário dos bens de interesse arquitetônico e urbano. Esses bens foram incluídos no zoneamento como uma nova “zona” (Z8/200), que passou a protegê- los do processo imobiliário. Em 1985, a lei nº 10.035 criou uma legislação municipal abrangente, com a instituição do Conpresp e do tombamento municipal.
Com o Plano Diretor de 2002 ocorreu um grande avanço, pois a política patrimonial passou a se articular com o desenvolvimento urbano. Foram criadas as Zepec’s para proteger edifícios, conjuntos urbanos, bairros e paisagens.
Esperamos que, em breve, possamos comemorar a criação de novos mecanismos para financiar a recuperação do nosso patrimônio. As Jornadas poderão contribuir para esse resultado.
Nabil Bonduki, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é secretário municipal de Cultura de São Paulo. Foi o relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal, aprovados em 2002 e 2014.
Nadia Somekh, professora titular do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, é presidente do Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
***
Artigo publicado originalmente na sessão Tendências / Debates do jornal Folha de S.Paulo.