Orçamento Participativo recebe mais atenção fora do que dentro do Brasil

O Orçamento Participativo inovou ao envolver a população no processo de tomada de decisão sobre a melhor forma de direcionar os gastos públicos nas cidades. Por meio de assembleias, os próprios moradores decidem como aplicar parte do dinheiro público.

Originalmente, seus idealizadores pretendiam “radicalizar a democracia e promover justiça e inclusão social” por meio deste instrumento. Em alguns casos, mudanças de governo terminaram por simplesmente extinguir o projeto. Em outros, o método foi mantido “apenas para aproximar os cidadãos da administração pública”, mas mantendo a decisão na mão dos governantes que “selecionam apenas aquelas propostas que o governo julga pertinentes”.

Um dos exemplos dessa mutação na origem da proposta é a incorporação da iniciativa por instituições como o Banco Mundial, que replicaram o Orçamento Participativo como ferramenta técnica, sem manter necessariamente o mesmo espírito político da proposta original, levando, segundo o professor da Unifesp, à perda “da profundidade da política pública em termos de empoderamento dos cidadãos e democratização da gestão”.

 
No livro “Embaixadores da Participação: a difusão internacional do Orçamento Participativo”, da editora Annablume, Porto conta a história do Orçamento Participativo e de seu processo de internacionalização. Ele explicou ao Nexo por que a proposta foi inovadora e quais os percalços ao longo do caminho.

Pergunta O sr. diz que o Orçamento Participativo nasceu em Porto Alegre em 1989 e que, a partir do Fórum Social Mundial, se espalhou para outras 2.000 cidades do mundo. Não havia experiência semelhante de democracia direta determinando as prioridades de gastos públicos no mundo?

Osmany Sim, havia no Brasil outras experiências pioneiras de participação social no processo de alocação dos recursos. Cidades como Lages, em Santa Catarina, e Vila Velha, no Espírito Santo, são exemplos. O que ocorreu foi que em Porto Alegre se criou uma metodologia participativa, uma inovação na gestão pública da cidade. Em síntese, por meio deste método, os cidadãos passaram a participar diretamente do debate sobre a alocação orçamentária, em assembleias que ocorriam nas diferentes regiões da cidade, conselhos que agregavam representantes dos bairros e reuniões sobre temas distintos, como habitação, saúde, esporte e lazer, etc.

Os cidadãos votavam nas prioridades em termos de políticas públicas, e aquelas propostas eleitas eram implementadas. Esse modelo teve resultados importantes para Porto Alegre, beneficiando especialmente os cidadãos que viviam nos bairros mais afastados do centro. A ideia subjacente à essa política de participação social era de promover a inclusão e incentivar uma democracia mais intensa e profunda, na qual a população pudesse participar diretamente da gestão da cidade e dos assuntos de natureza pública que lhes tocavam diretamente.

Pergunta: O sr. diz que, com o tempo, o “Orçamento Participativo passa de um método idôneo para alcançar a radicalização da democracia a um instrumento de combate à corrupção, controle social e luta contra a pobreza no Banco Mundial”. O que se ganha e o que se perde nessa passagem?

Osmany: Quando os governos desenvolvem seus modelos de gestão, não se trata apenas de implementar métodos e técnicas de administração pública. Cada política pública apresenta um conteúdo abstrato, de natureza ideológica, que é materializado por meio de distintos instrumentos.

Quando afirmo que o Orçamento Participativo inicialmente era uma política que aspirava radicalizar a democracia, promover justiça e inclusão social, significa que seus idealizadores estavam procurando produzir esses resultados por meio deste instrumento.

Já outras experiências utilizaram  metodologias que tinham por objetivo apenas aproximar os cidadãos da administração pública. Nesses casos o governo convida os cidadãos para participar de debates, mas reserva o poder da decisão, selecionando apenas aquelas propostas que julga pertinentes. Essas experiências não implicam necessariamente a possibilidade dos participantes de deliberar sobre o uso dos recursos públicos.

Em certos casos de adoção do Orçamento Participativo foi perdida a profundidade da política pública em termos de empoderamento dos cidadãos e democratização da gestão.

Pergunta: Que fim levou essa experiência, tanto em Porto Alegre quanto no mundo? É possível traçar uma linha de vida dela e determinar se houve sucesso ou fracasso?

Osmany: É complicado falar em sucesso e fracasso. O processo de difusão ainda está ocorrendo. Há muitas cidades no mundo adotando o Orçamento Participativo, na África Subsaariana, bem como no Canadá e nos EUA. Também acredito que seja sempre possível aprender com as experiências, ainda que estas possam ser complicadas ou produzir resultados diversos daqueles esperados. Um dos grandes desafios do Orçamento Participativo é sua continuidade. No Brasil e em muitos países se trata de um programa dos governos locais, que depende do Executivo, entre outros fatores, para ser implementado.

A mudança de partido político no governo foi motivo para desencadear processos de descontinuidade de programas de Orçamento Participativo em cidades no Brasil e no mundo. Em São Paulo e Recife, por exemplo, o Orçamento Participativo terminou, respectivamente, após o governo da Marta Suplicy e de João da Costa, ambos do PT.

Apesar de a ideia do Orçamento Participativo no Brasil estar muito associada ao PT, quando observamos sua implementação ao longo da história, é possível notar que prefeitos de partidos de cores políticas variadas implementaram a prática, como o PSDB, o PMDB o PPS, entre outros.

Em Porto Alegre, o Orçamento Participativo também foi submetido à prova da continuidade, com a mudança de governo em 2004, quando o PT perdeu as eleições após 16 anos de gestão consecutiva. O prefeito eleito nesta ocasião, José Fogaça [então no PPS], decidiu manter o programa, pois já se tratava de uma prática enraizada na sociedade. No entanto, adaptou a ideia. Na época a sociedade civil criticou a transição, insistindo na perda da dimensão de transformação social, que o Orçamento Participativo vinha construindo nos anos anteriores.

A alternativa encontrada pelo Peru, por exemplo, e outros países da América Latina, foi criar uma lei nacional para induzir a implementação do Orçamento Participativo em todos os municípios e garantir sua perpetuação.

Pergunta A origem da proposta sugere uma relação estreita com a esquerda, mas, em sua pesquisa, o sr. detectou replicações também em governos de direita ou liberais? Há diferenças e adaptações substancias nessa migração ideológica?

Osmany Esta é uma inovação que surgiu em Porto Alegre em 1989 e se difundiu pelo país a partir de então. O levantamento de 2013, apresentado pela Rede Brasileira de Orçamentos Participativos, apontava para 355 experiências em andamento.

Há indícios da comunidade acadêmica, porém, de que o Orçamento Participativo esteja em declínio no Brasil. No plano internacional ele ganhou reconhecimento em 1996 com o prêmio da ONU e se tornou uma política globalizada especialmente a partir dos Fóruns Sociais Mundiais. Nos dias atuais é uma política reconhecida e implementada por distintos prefeitos e líderes políticos e recomendada por instituições internacionais.

Importantes cidades do mundo como Nova York e Paris adotaram Orçamento Participativo recentemente. O modelo de Paris, em particular, é considerado como um dos que mais investe recursos, tendo previsto a implementação de parte importante de seu orçamento, o equivalente a meio bilhão de euros, por meio da participação social. Em Portugal há um projeto que aspira levar o Orçamento Participativo para além da escala local, transformando a prática em uma política nacional. Paradoxalmente, apesar do berço do Orçamento Participativo ter sido o Brasil, a prática tem recebido cada vez mais atenção fora do país do que internamente.

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Por João Paulo Charleaux no Nexo Jornal.

 

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