Os ganhos do turismo

Considerando a população total de Portugal de cerca de 10 milhões de pessoas, é como se um outro Portugal inteiro tenha vindo bater pernas na terrinha.

Hoje, o setor do turismo responde diretamente por algo como cerca de 7% do PIB português, de acordo com os dados mais recentes do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC). Para comparar, a mesma fonte aponta que no Brasil as receitas diretas do turismo representam 2,9% do PIB. No ranking preparado pelo WTTC, que elenca a participação do turismo em 185 países, Portugal aparece na posição 44, em representatividade do turismo no PIB.

O Brasil está lá na rabeira, na posição 117. Quando penso em todos os recursos naturais que temos, na beleza das praias brasileiras, no clima, na diversidade das paisagens, na culinária e tantas outras atrações, fica claro que podíamos estar melhor…

Mas se 7% já parece muito para nós, o primeiro-ministro português, no entanto, já anunciou que a meta do setor é chegar a 10%, média do peso do turismo entre os países europeus. E, curiosamente, o maior desafio é enfrentar a percepção de uma grande parte da sociedade que já considera que há turistas em excesso no país. Nos nossos curtos passeios aqui pela região, ouve-se de tudo mesmo: cada mesa de bar ou café parece um país diferente. Há espanhóis aos montes, franceses, ingleses, muitos alemães e, claro, meus queridos conterrâneos. No hotel onde trabalho não é diferente. Grupos de búlgaros, holandeses, russos, turma da Letônia, italianos, gregos, mais espanhóis, mais brasileiros, ingleses. Até do Gabão vem gente turistar por aqui. E apesar desta percepção de “superlotação” de turistas, os dados mostram o contrário. No último mês de agosto, houve uma pequena redução de 2% na quantidade de turistas estrangeiros, em comparação com o mesmo mês do ano passado. A boa notícia: o número menor de pessoas gastou quase 10% a mais do que aqueles que vieram em agosto de 2017. Parece ser a melhor fórmula para deixar feliz o primeiro-ministro e a população que muitas vezes se incomoda com o povaréu. Menos gente, mas gastando mais.

E apesar desta percepção de “superlotação” de turistas, os dados mostram o contrário.Foto: Portugal News.

Em agosto, o auge das férias europeias, como já escrevi por aqui, Portugal recebeu quase 1,5 milhão de pessoas, que ajudaram a bater um novo recorde mensal de receitas, com mais de 2 bilhões de euros. É o 31. mês consecutivo de alta nas receitas turísticas, apesar da pequena queda no número de viajantes por três meses seguidos. No levantamento total até agosto deste ano, Portugal ultrapassou pela primeira vez os 11 bilhões de euros em receitas diretas do turismo, quase que o mesmo valor que alcançou durante o ano inteiro de 2015.

Do Brasil chegaram quase 80 mil pessoas para passear em Portugal no mês de agosto. Não somos a nação mais numerosa em turistas, mas tenho a impressão que estamos espalhados por todas as pequenas vilas do país. Se fosse uma partida de futebol, seríamos o time dos sonhos, ocupando cada pedacinho do gramado. Difícil deixar de ouvir o som do “nosso” português ou as nossas gírias, mesmo nos becos e vielas menos prováveis. Em quantidade, espanhóis (293 mil), ingleses (190 mil), franceses (178 mil), alemães (105 mil), italianos (94 mil) e norte-americanos (84 mil) estão na nossa frente.

Em lista de 185 países, Portugal aparece na posição 44, em representatividade do turismo no PIB. Foto: Getty Images.

Dinheiro à parte, esse grande fluxo de pessoas faz bem ou mal para as principais cidades portuguesas? Esse é um tema que segue na pauta de discussão de entidades representativas do setor, governo e sociedade em geral. E já li ótimos argumentos defendendo os dois lados: os benefícios e os problemas do “excesso” de turistas. Recentemente, o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento do Turismo (IPDT) analisou a proporção entre os habitantes das cidades e o número anual de turistas. A conclusão é que o número de visitantes em Lisboa é nove vezes superior ao número de moradores e no Porto é quase oito vezes maior. Em cidades como Praga e Barcelona, a relação é de cinco para um, enquanto Londres é de quatro para um.

Para muitos, o resultado desse movimento de pessoas gera o caos na cidade, a especulação imobiliária, o aumento dos preços e a exclusão de parte da população residente. Para outros, representa a geração de empregos e a revitalização de áreas que sabidamente vinham acumulando anos de degradação. Um também recente estudo da Organização Mundial de Turismo com oito importantes cidades europeias, entre elas Lisboa, definiu 11 estratégias e 68 medidas para compreender e gerir o aumento do turismo urbano. O trabalho apontou que 26% da população destas cidades acreditam que há espaço para o turismo crescer no futuro e 36% entendem que não devem ser impostos limites ao número de visitantes. Para o secretário-geral da entidade, é preciso assegurar que as comunidades locais compreendam e tirem benefícios dos aspectos positivos do turismo, sabendo que não há uma solução única para lidar com o excesso de turismo.

Em agosto, o auge das férias europeias, Portugal recebeu quase 1,5 milhão de pessoas. Foto: SAPO.

Eu não sou estudioso do assunto e posso trazer a opinião talvez enviesada de quem é turista e costuma “invadir” outras cidades ou, mais recentemente, de alguém que lida no dia-a-dia com dezenas de turistas de diversas nacionalidades, suas diferentes culturas e expectativas. Gosto de pensar que não é apenas o PIB português que ganha com esses viajantes. A cultura, a diversidade, a troca de informações e os aprendizados são ativos talvez um pouco menos tangíveis, mas de uma enorme riqueza. Quem chega a um novo país, para conhecer novos lugares, novas pessoas, uma nova língua, e se mostra aberto e receptivo, respeitando a cultura e os costumes locais, tem muito a agregar. O contrário… bom, tenho visto casos até caricatos, como pessoas de um determinado país que chegam ao hotel e reclamam que a televisão não “fala” na língua deles. Quer passar o dia vendo TV no seu idioma? Melhor não sair de casa.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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