Os taxistas devem aprender com o Uber

 
Quando a novidade do Uber chegou ao Brasil, confesso que torci o nariz. Em quase duas décadas de jornalismo, andar de táxi para cima e para baixo se tornou um hábito quase diário, que me levou a ouvir e contar infindáveis estórias sobre os mais diversos assuntos, várias delas tão boas e inspiradoras quanto uma conversa entre melhores amigos, outras que funcionaram como verdadeiras sessões de terapia a bordo, tendo a cidade como pano de fundo.
 
Simpático aos taxistas, me solidarizei com o argumento de que a chegada do Uber representava uma concorrência desleal. Valores mais baixos, regulação inexistente, não fiscalização. Além disso, era importante lembrar que cada taxista havia conquistado um direito – o de transportar passageiros – ao obter uma concessão pública deste serviço. Algo que de uma hora para outra não valia mais nada.
 
Essa percepção começou a mudar depois dos primeiros casos de violência envolvendo taxistas e motoristas do Uber em capitais brasileiras. E de algumas declarações infelizes de lideranças sindicais do segmento estimulando essa prática. O efeito foi o pior possível. Jogou a opinião pública contra os táxis e muitas pessoas passaram a usar o Uber em sinal de protesto.
 
Pela primeira vez, baixei o aplicativo e resolvi usar o serviço. Ao entrar no carro, me surpreendi com a simpatia do motorista, o fato de ele seguir um caminho mapeado no aplicativo, o bom estado do veículo, a possibilidade de avaliar o atendimento (e isso se tornar uma informação pública) e, de quebra, a oferta de uma garrafa de água gelada (o dia estava incrivelmente quente).
 
Dei sorte, pensei comigo mesmo, mas a sequência de outras corridas com o aplicativo me fez entender o motivo de tanto barulho em torno do Uber e de tantas pessoas terem passado a usar preferencialmente esse serviço: ele é simplesmente melhor.
 
Não estou falando apenas do custo. Há um notável esforço dos motoristas para agradar os passageiros, tornar o trajeto mais confortável e manter o veículo em boas condições (algo que pode não ser uma grande questão em São Paulo, mas é um problemão em praças como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, só para citar alguns exemplos); as pessoas se sentem mais seguras ao notar que estão seguindo um trajeto definido pelo aplicativo de mapas; não existe a possibilidade de o motorista “recusar” um trajeto que não o interesse; o pagamento é debitado diretamente no cartão; há opções de customização (carros mais simples, carros para bikes, para pets, para transportes pesados), entre outros.
 
Claro que o serviço é novidade e tem lá os seus problemas. Embora argumentem que só são cadastrados no Uber motoristas aptos a transportar passageiros, por exemplo, existem alguns que não são exatamente bons pilotos (sim, os famosos “braços curtos”). A qualidade dos carros ainda é boa, mas já há quem reclame que a régua de exigência tem baixado demais. E alguns motoristas reclamam que as tarifas baixas aplicadas pela empresa são desumanas para o seu trabalho (já houve até uma greve por isso).
 
A boa notícia é que depois de reinar sozinho por algum tempo, o próprio Uber agora terá concorrência, com outros aplicativos semelhantes chegando ao Brasil e prontos para abocanhar um pedaço desse atrativo mercado. E, pelo menos em tese, mais concorrência gera mais qualidade e eficiência nos serviços. Aguardemos. E aguardemos também as novas regulações que vem por aí, como essa que está prestes a ser aprovada em São Paulo.
 
Aos amigos taxistas, não restará opção a não ser enfrentar essa concorrência. E isso inclui reforçar suas vantagens (a possibilidade de andar na faixa de ônibus, por exemplo) e aprender com o que há de melhor nos aplicativos. As diferentes opções de carros, a avaliação do motorista, os trajetos mapeados, mas acima de tudo a postura e o atendimento dos taxistas com seus clientes e os cuidados com o veículo.
 
Uma vez que não há como impedir a onda de tecnologia que vem por aí -e a conexão pessoa-pessoa que ela possibilita para os mais diversos fins, entre eles a venda ou troca de produtos e serviços como o transporte- a simpatia e o bom atendimento, num ambiente de concorrência, voltam a ser fatores essenciais para o sucesso ou o fracasso de um serviço.
 
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André Palhano é jornalista e fundador da Virada Sustentável. *Artigo publicado originalmente em seu blog no Estadão.
 
 

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