Pegando as magrelas em 2019

Portugal, como já escrevi aqui, tem cada vez mais olhado com carinho para as bicicletas e todos os ganhos que se tem ao optar por se equilibrar sobre duas rodas, sejam econômicos, de saúde, ambientais ou simplesmente no humor das pessoas. Semana que vem, por exemplo, inaugura um novo projeto na cidade do Porto, aqui pertinho de Ovar, organizado pela Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta. Trata-se da “De Bicla 1 Domingo por mês”, cujo objetivo é “fomentar o convívio e a troca de experiências, ampliando também o conhecimento do patrimônio ambiental, patrimonial e cultural do Grande Porto”.

Na prática, é realmente uma grande oportunidade para começar a pegar gosto pelas bikes, num percurso em que a segurança está no centro da iniciativa. A largada será em frente à Casa da Música e o pedal deve seguir rumo ao norte, até Póvoa de Varzim, em um trajeto de quase 30 km. E o ritmo quem dará serão os mais lentos. Algo como “ninguém solta a mão de ninguém”, numa livre e adaptada versão para aqueles que se sentem mais inseguros e vulneráveis numa pedalada urbana.

Mas o pedal pelas ruas e ciclovias do Porto é apenas um dos vários pretextos para quem quer realmente se dedicar a circular por aí se equilibrando na bike, sentindo o vento no rosto (ok, ultimamente tem sido um vento bem frio…). Portugal oferece muitas outras trilhas e pequenos passeios sempre em paisagens lindas. Ovar, como também já contei, é uma das cidades com maior rede de ciclovias, proporcionalmente. Dá pra circular pelas ruas antigas e vielas, fazendo o trajeto da rota dos azulejos, descobrindo fachadas com estampas, formas, texturas e cores deslumbrantes, o que faz a cidade ser conhecida como museu-vivo do azulejo. Indo em direção às praias, Furadouro, a cerca de 4km do centro, é o ponto de partida para a ciclovia que corta uma grande floresta e margeia a praia, cenário deslumbrante em direção ao norte, passando pelas praias de Maceda, Cortegaça, Esmoriz. Para quem estiver com as pernas em dia, vale seguir adiante e chegar ao Porto, parando ainda em outras praias pelo caminho. E se bater a preguiça na volta, coloca a bike no trem (ou comboio, como dizem por aqui) e desce na estação de Ovar.

Ciclovia da costa atlântica portuguesa onde se tem a oportunidade de desfrutar das praias da costa oeste. Foto: AZ2 Portugal.

Se preferir desbravar o lado sul, em sentido a Aveiro, a pedalada também tem trechos lindos. A Ria de Aveiro, que acaba justamente em Ovar, tem ciclovia e passadiços em grande parte da sua extensão. Mas ainda há trechos em que é necessário pedalar pelo acostamento das estradas, prática comum de ciclistas que costumam sair em grupos para treinar. Antes de chegar em Aveiro, que está a pouco menos de 40 km adiante, cruzamos a praia da Torreira e a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto, de onde é preciso atravessar de ferry boat para a praia da Barra, já ao lado de Aveiro. E logo ali, mais umas pedaladas apenas, está a praia da Costa Nova, com aquelas casas lindas e bem características, com as fachadas todas em listras coloridas.

A Ecopista do Dão com 49 km é a mais extensa de Portugal. Foto: Ecopista Portugal.

Ainda em dúvida se compra ou não uma bike? Algumas outras dicas de passeio podem ajudar a empolgação. Vou ficar só pela região onde vivo, a Centro, mas há muito, muito mais. A primeira sugestão é a Ecopista do Dão, a maior em Portugal e uma das mais bonitas. São quase 50 km de extensão, que nasceram a partir de uma linha de estrada de ferro, inaugurada em 1890 e desativada totalmente em 1988. Passa pelas cidades de Viseu, Tondela e Santa Comba Dão, em meio às serras da Estrela e do Caramulo, cruzando os rios Dão e Mondego. Pelo caminho, pelourinhos, solares, igrejas medievais e muito do antigo patrimônio ferroviário.

Outra opção, essa mais longa, é encarar um grande trecho circular de quase 600 km passando por 12 aldeias históricas portuguesas. Cada segmento começa e acaba em uma das 12 aldeias (Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso). Como não poderia faltar, muita beleza natural, muralhas, castelos e fortalezas ao longo do caminho. Ainda nas trilhas longas, a Grande Rota do Zêzere, com 370 km, acompanha o Rio Zêzere desde a nascente, na Serra da Estrela, até à foz, em Constância, onde encontra o Rio Tejo. O trajeto pode ser planejado considerando 13 estações de apoio ao longo do percurso, que servem como referência para o ciclista. Passa por diversas cidades e permite que os mais animados peguem caminhos que saem da rota principal para as Aldeias do Xisto, praias fluviais e barragens. Ou seja, os 370 km podem ficar ainda mais extensos, se o espírito desbravador estiver aflorado.

Descobrir as 12 Aldeias Históricas em cima de uma magrela: um desafio único em Portugal! Foto: Aldeias Históricas de Portugal.

Por fim, outra pedalada longa, e talvez um pouco mais radical, é a Grande Rota do Vale do Côa, com extensão de pouco mais de 220 km, que liga a nascente à foz do rio Côa e pode ser feita nos dois sentidos. O pedal passa pelas cidades de Sabugal, Almeida, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo e Vila Nova de Foz Côa. O Vale do Côa é patrimônio da humanidade desde 1998 e considerado o mais importante sítio com arte rupestre e paleolítica ao ar livre de Portugal. A recomendação para quem vai encarar esse trajeto é fazer um bom planejamento prévio e não ir sozinho. Há locais sem alojamento “formal”, onde o ciclista pode se valer de infraestrutura oferecida pelo poder público local, como “quartos” em escolas e salões. Há também longos trechos sem água potável ou estabelecimentos para comprar comida. É, de fato, um pedal bem no meio da natureza bruta, passando por locais onde viviam comunidades nômades há séculos.

App Grande Rota Vale do Côa orienta e facilita a trilha do ciclista. Foto: Infoportugal.

Enfim, são apenas algumas sugestões entre as dezenas, talvez centenas de trilhas e ciclovias espalhadas pelo país, para todos os níveis. Não importa se vai fazer a roda girar apenas para dar uma volta pelo parque da cidade ou se vai encarar as trilhas antes feitas pelos nômades que viveram nestas terras há centenas de anos. O cicloturismo em Portugal traz gente de diversos países vizinhos para pedalar por aqui, com rotas seguras, muita história e paisagens fenomenais. Aliás, o cicloturismo na Europa inteira segue cada vez mais desenvolvido e apresenta números na casa dos milhões, seja qual for o indicador analisado. E a curva segue ascendente.

 Euro Velo: ciclovia que já tem 70 mil KM de extensão e cruza 15 países europeus, conectará toda a Europa até 2020. Foto: Euro Velo / Reprodução.

Dados de 2015 já apontavam que foram feitas cerca de 23 milhões de viagens ao ano, com pelo menos um pernoite. Alemanha e França lideravam esse ranking, com algo como quatro milhões cada país. Portugal apareceu com 70 mil, mas com crescimento estimado de até 4% ao ano. A idade média dos que saem para “turistar” de bicicleta é de 45 a 55 anos e a grande maioria sai em duplas (casar ou comprar uma bicicleta? Faça os dois e saiam para pedalar juntos!). O mercado do cicloturismo na Europa movimenta mais de 44 milhões de euros, considerando apenas os gastos com alojamento, alimentação e compras!

Então, que tal incluir as pedaladas nas promessas de ano novo?

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

 

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