Pelos caminhos da cidade

Depois, eu e Waze temos diferentes pontos-de-vista sobre o deslocamento na cidade: ele pensa o deslocamento pelo critério da rapidez, eu penso pelo critério da beleza (e também pelo da memória afetiva). Enquanto o aplicativo se preocupa em não “perder” um minuto a mais no trânsito, eu me preocupo em qualificar os minutos que, já sei, necessariamente vou dispender para me deslocar.

Acredito que para viver bem em qualquer cidade do mundo é importante saber desfrutar de seus aspectos positivos e entender e aceitar os negativos. São Paulo é uma megalópole com um modelo de mobilidade ainda calcado nos veículos motorizados individuais e um sistema de transporte público muito deficiente. Inevitavelmente, para qualquer deslocamento por automóvel, leva-se sempre mais tempo do que se gostaria (ou deveria). No entanto, lutar contra essa realidade só aumenta o nível do stress. Ou seja, fato posto, o melhor a fazer é lidar com ele, e da melhor maneira possível. 

Se a cidade oferece um trânsito sempre superlativo e caótico, por outro oferece também imagens capazes de alegrar, surpreender e emocionar. Uma   avenida com árvores centenárias; os diferentes prédios e suas diferentes arquiteturas; a rua onde morou meu primeiro namorado; a outra, por onde passava ao levar minhas filhas à escola. O que eu ganho em prazer, não tenho dúvidas, é muito mais relevante do que os minutos que ganharia escolhendo caminhos mais rápidos. 

Há também uma imensa satisfação em vivenciar a cidade em que se habita. Usando a perspectiva de Calvino, “cidade não é apenas um conceito geográfico, mas um símbolo complexo e inesgotável da experiência humana”. Percorrer suas ruas, conhecer seus cruzamentos, deduzir seus traçados, descobrir histórias, perder-se e (re)encontrar-se – é também nisso que reside a riqueza da vida urbana. Cruzar a cidade como um autômato, obedecendo a comandos de virar à esquerda ou à direita sem se relacionar com esses espaços, e sem inter-relacioná-los, é escolher um caminho reducionista – não apenas para o deslocamento, mas também para a vida.

Experimente se deslocar por São Paulo escolhendo não o trajeto mais rápido, mas aquele capaz de falar com sua alma. Pense nas paisagens, nas cores, nas formas; acione a memória, resgate seus vínculos com os caminhos, relembre sua história com a cidade (e, por que não?, relembre também a história da cidade). Você vai descobrir que enfrentar o trânsito dessa maneira é muito  mais prazeroso e enriquecedor do que obedecendo a um robô autoritário que nem sequer vive aqui.

***
Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas, produtora de conteúdo e redatora colaboradora do MaturityNow.

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