Praça Mauá: os vestígios da história do Rio de Janeiro num lugar só

Enquanto você espera na fila do Museu do Amanhã, aproveite para pensar na história dessa cidade. De costas para o mar, basta dar uma olhada em volta para constatar a presença de prédios de aparências totalmente distintas entre si. Num pedacinho da cidade, você pode encontrar vestígios de várias épocas da longa história do Rio. O geógrafo Milton Santos chamava esses vestígios de rugosidades.

A palavra é bonita e ajuda a entender as transformações de um lugar. O que essas construções representam? Que histórias eles podem constar sobre os eventos históricos daquele local? Vamos a elas, com a ajuda das bonitas ilustrações da arquiteta e ilustradora paulistana Nara Coló Rosetto, que passou dois dias desenhando os prédios da região.

O viaduto que não existe mais

A primeira coisa que chama a atenção não é uma presença. É uma ausência. O novo espaço publico da cidade conseguiu uma coisa que nós, paulistanos, começamos a discutir há pouco: o incômodo causado pelas grandes estruturas viárias. A destruição da via elevada da Perimetral abriu uma ligação que estava perdida, da cidade com o mar e é a coisa mais linda da nova praça.

A estátua do Visconde de Mauá – 1910

 

Estátua do Visconde de Mauá

A estátua é homenagem a um personagem interessantíssimo na história do Brasil e da cidade. Irineu Evangelista de Souza pode ser visto como um precursor do capitalismo ainda incipiente no país. Mesmo tendo tido enorme sucesso como empresário, ele foi vítima de certo preconceito por sua atitude destemida, por suas conexões na Grã Bretanha e por defender relações de trabalho mais modernas que a de seus contemporâneos, ainda aferrados à escravidão. A estátua e o nome da praça ficaram como uma lembrança dessa contradição.

O píer  – 1948/9

O píer Oscar Wienchenk (não confundir com o Pier Mauá, que a rigor é toda a área de desembarque de navios turísticos), foi construído para receber transatlânticos que trariam turistas para a Copa do Mundo de 1950. Eles nunca vieram e o local ficou sem destinação clara por décadas. Tem quase 200 metros de extensão e é certamente diferencial visual no ambiente da Praça Mauá.

O Mosteiro de São Bento – Construído em 1590, reconstruído em 1671 e reformado em 1755.

 

O Mosteiro ocupa uma colina histórica e é o testemunho da presença das ordens religiosas na cidade colonial. Os beneditinos construíram também um colégio no local, por onde passaram pessoas que acabaram sendo importantes para a cultura carioca e brasileira, como Villa Lobos, por exemplo.

MAR – 2013

 

O Museu MAR é um exemplo interessantíssimo da convivência de tempos distintos no mesmo espaço. Ele junta dois prédios de épocas e usos diferentes reformados e ligados através de uma passarela entre eles e um recurso visual – a onda. O primeiro é o Palacete Dom João VI,  construído na década de 1910. Hospedou a Inspetoria de Portos e depois vários órgãos públicos até ser abandonado. O segundo é o prédio da Polícia Marítima, que hospedou, no térreo,a Rodoviária Mariano Procópio, durante as décadas de 1940 e 50, a Rodoviária da cidade e depois um terminal local.

 

O Edifício A NOITE – 1930

 

Um marco na paisagem da Praça Mauá, foi o prédio mais alto da cidade e hospedou duas instituições na história cultural brasileira. O primeiro foi o Jornal A NOITE, que tinha entre seus sócios Irineu Marinho, antes de fundar O GLOBO. Os jornais nas primeiras décadas do século XX disputavam ferozmente a preferência dos leitores, num mercado que ainda não competia com outras mídias, nem o rádio. A NOITE foi um dos mais populares, como demonstra esse trechinho das memórias, de Nelson Rodrigues: “A Noite foi amada por todo um povo […] Estou certo, de que se saísse em branco, sem uma linha impressa, todos comprariam A NOITE da mesma maneira e por amor”.

Entre as décadas de 1930 a 50, o rádio foi a mídia que começou a fazer a integração cultural no território brasileiro. É a “era do rádio”. Uma das mais importantes foi a Radio Nacional, que inaugurou as radio-novelas, tinha programa humorísticos como o Balança mas não cai, popularizou o jornalismo, principalmente pelo Repórter Esso, e contratava dezenas de cantores que viraram celebridades no país, como Marlene, Nora Ney e Angela Maria. O prédio, tombado em 2013 pelo IPHAN, está vazio mas deve ser reformado e reutilizado.

O Museu do Amanhã – 2016

 

O Museu é um testemunho recentíssimo de um fenômeno contemporâneo: a competição das cidades globais por investimentos e pelo turismo. A inserção do Rio de Janeiro na lógica do marketing mundial de cidades foi prenunciada no Plano Diretor da década de 90, ensaiada nas operações incompletas da década de 2000 e finalmente concretizada na década de 2010. As Olimpíadas e a Copa do Mundo trouxeram o “momentum” em que algumas cidades se vêem compelidas a “agarrar” a oportunidade de angariar apoio local e nacional ao aumento de verba investida em grandes projetos urbanos.

Arsenal da Marinha – várias edificações a partir de 1820.

 

 

A Marinha é uma lembrança das funções de defesa,tão necessárias para manter o território conquistado a duras penas aos franceses.

Casario e Morro da Conceição

 

O Morro da Conceição é um vestígio importante da mistura de usos e habitações populares que não se encontra na região central desde a separação de funções nas primeiras décadas do século XX.

Edifício Rio Branco 1

Esse prédio, de 1989 simboliza a movimentação da economia da cidade em direção ao setor terciário avançado. Mesmo com as empresas se afastando cada vez mais da região central, o Rio continua sendo sede de grandes empresas e corporações.

Terminal de passageiros

 

 

 

 
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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Mantém o blog Caminhadas Urbanas no Estadão. Desenhos de Nara Coló Rosetto.

 

 

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