#PraCegoVer: em terra que muitos enxergam, mas poucos veem

Mas a questão aqui é outra. Muito menos visível na mídia brasileira, até mesmo na alternativa. Uma cegueira que atinge todos grupos socioeconômicos, organizações públicas e privadas, academia, mercado, mídia, governo. A chamada cegueira egocêntrica que impede o reconhecimento da existência do outro. No caso em questão, esse outro representa mais de 6,5 milhões de pessoas, 3,5% da população brasileira, dentre os quais, 528.624 pessoas são incapazes de enxergar (cegos) e outras 6.056.654 pessoas possuem baixa visão ou visão subnormal (grande e permanente dificuldade de enxergar). (IBGE, 2010).

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” (Saramago). A deficiência visual é a maior em números, entre as demais deficiências físicas, porém a cegueira da sociedade é generalizada. É aquela incapaz de enxergar as necessidades arquitetônicas, comunicacionais, educativas das pessoas com deficiência. É aquela que não se ocupa da promoção da acessibilidade em suas diferentes dimensões. É aquela que enxerga, mas não vê o cego.

A acessibilidade ainda não faz parte da rotina dos brasileiros, ou seja, o ato de pensar na adaptação do meio para que todos tenham acesso aos lugares, à educação, à cultura, à informação, à internet, às mídias sociais. A sociedade está conectada diariamente no universo digital, navegando em sites, utilizando aplicativos e as mídias sociais.  E onde estão as pessoas com deficiência visual no ambiente digital? Como elas interagem nas mídias sociais povoadas por imagens?

Em 2012, a professora Patricia Braille, especialista em Educação Especial,  iniciou um movimento nacional conhecido pela hashtag #PraCegoVer, com o objetivo de proporcionar o acesso ao conteúdo das imagens aos cegos ou pessoas com baixa visão. Por meio da descrição das imagens, o conteúdo se torna acessível pelo uso de leitores de tela e, ao mesmo tempo, a hashtag introduz uma provocação ao grupo dos videntes (pessoas que enxergam) que não veem a presença dos cegos nas mídias sociais.

Descrição da imagem: imagem com fundo rosa pink e com o escrito centralizado #PRACEGOVER em cor branca. Fonte: site euteamohoje.com / Reprodução.

A descrição consiste na tradução de todos elementos das imagens estáticas e dinâmicas, em texto. Fotografias, gráficos, vídeos, apresentação de slides, eventos, propaganda, todas os elementos visuais presentes nas plataformas de comunicação devem ser descritos da esquerda para a direita, de forma objetiva e impessoal, no presente do indicativo, sempre tendo em mente a possibilidade da construção mental das imagens pelas pessoas com deficiência visual.

Hoje, 6 anos após a criação da iniciativa, são raros os usuários que aderiram ao movimento da descrição de imagens, com a exceção de algumas grandes marcas, como a Coca-Cola, Grupo Natura, Avon e os perfis de alguns órgãos federais, estaduais e municipais. Com a realização das Paraolimpíadas de 2016, a bandeira da acessibilidade ganhou um pouco mais de destaque na mídia e na comunicação de algumas marcas na época, como a Coca-Cola que começou a usar a hashtag da campanha com o início dos jogos.

Recentemente, alguns jovens, estudantes e empreendedores estão abrindo os olhos para a diversidade de maneiras de enxergar o mundo e ter acesso a ele, em um movimento de sensibilização sobre a necessidade de “enxergar além do olhar”. Essa é a frase que inspira Cintia com sua marca inclusiva Costuras do Imaginário, formada por peças gravadas em braille, difusores com frases reflexivas sobre empatia e a necessidade de enxergar o outro. Uma marca que usa o design para aproximar os videntes do universo visual dos cegos.

Descrição da imagem: fotografia com fundo branco de um ambiente interno. Uma mulher de cabelos castanhos está de costas e segura uma folha de papel com o escrito gratidão e sua tradução em braille. Abaixo do escrito, há um desenho de flor. Imagem: Site Costuras do Imaginário / Reprodução.

Outra iniciativa é a das estudantes Amanda e Camila, estudante de Design de Moda da Faculdade Belas Artes, que idealizaram uma consultoria de moda para pessoas com deficiência visual, como projeto de conclusão de curso. A ideia se baseia no desenvolvimento de etiquetas em braille, treinamento da equipe que trabalha em lojas do segmento de moda e dicas de estilo para aumentar a autonomia das pessoas com deficiência na hora de escolherem suas roupas.

Os olhos vão se abrindo aos poucos, pelos jovens, empreendedores atentos à diversidade humana, porém é preciso a soma de mais iniciativas a esse movimento para que a temática não retorne a sua posição predominante: a cegueira. No final das contas, talvez o mais realista seria se expressar como Tokinho Carvalho: “Em terra de egos, quem vê o outro é rei”, pois são poucos aqueles dispostos a pensar nas necessidades do outro, a contribuir individualmente no sentido de tornar a sociedade mais acessível. Muitos enxergam, mas poucos veem.

***

Isa Meirelles é relações públicas e coach certificada pelo Instituto Brasileiro de Coaching. Atua como consultora de comunicação inclusiva e tem como propósito de vida o fim da invisibilidade das pessoas com deficiência na sociedade, por meio da comunicação. Isa passa a escrever, quinzenalmente, no São Paulo São.

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