Que bom ter gente idosa ao nosso lado

Paciência, sabedoria e maturidade costumam, realmente, vir com a idade. Mas as professoras são só um dos bons exemplos. Tem também a Dona Elisa, senhora que trabalha na escola e ajuda na cozinha e no refeitório. Na hora do almoço, insiste em dar comida na boca do meu filho, que aceita contrariado. “Ele hoje não quis comer bem, mas eu falei que não podia ser assim. Tem que tomar toda a sopa e comer direito. Olha como ele já está ficando com o rosto mais rosado”, falou radiante em um dos finais de dia quando fui busca-lo. Dona Elisa também fica no portão, pondo o casaco e o gorro em cada um dos garotos e garotas que teima em sair correndo assim que bate o sinal. Dona Elisa é uma outra avozinha adorável.

Na feira de Ovar. Foto: José Morais Sarmento.

E tem a Dona Amorosa, que vez ou outra vem fazer uma limpeza em casa; a Dona Delfina; a Dona Laura; os motoristas do ponto de táxi na minha rua; as velhas peixeiras que vendem carapaus e lulas aos berros; as senhoras e senhores que duas vezes por semana trazem seus produtos para vender no mercado municipal e tantos outros personagens mais velhos que entraram nessa história que começamos a escrever por aqui. Até no Carnaval, festa que também movimenta muita gente aqui em Ovar, com samba, blocos, desfiles, e traz foliões de todas as regiões de Portugal para cá, a turma da terceira idade tem grande destaque. Um dos dias da festa é dedicado exclusivamente à chegada do Rei e da Rainha do Carnaval, que circulam com pompa pela cidade, ao lado de passistas jovens, uma bateria possante, mulheres com brilhos e corpo à mostra. E não espere ver uma rainha em trajes sumários e corpo escultural e um rei enorme de gordo. O casal real aqui esbanja alegria, mas com a experiência de algumas boas décadas de samba no pé.

D. Angela, a “Raríssima”, e D. João, o “Afectuoso”, já reinam. Foto: OvarNews.

Mas a população idosa não é uma característica só de Ovar. Portugal tem mais de dois milhões de idosos, número que continua a crescer, de acordo com a recente projeção feita pelo Instituto Nacional de Estatística. Com o envelhecimento contínuo da população, a estimativa é que o país passe dos pouco mais de 10 milhões de habitantes de hoje para cerca de 7,5 milhões de pessoas em 2080, se esse ritmo não for alterado. Se eu tivesse vindo morar aqui sozinho, ia engrossar a lista dos velhinhos. Mas como estou com filho pequeno, filha adolescente e mulher jovem, posso ao menos dizer que estamos ajudando a baixar um pouquinho a idade média da população… Infelizmente, há um longo caminho pela frente. Ainda de acordo com os indicadores do INE, o índice de envelhecimento mais do que duplicará, passando de 147 para 317 idosos para cada 100 jovens em 2080. A população ativa diminuirá de 6,7 milhões para 3,8 milhões no mesmo período, o que pode explicar a abertura do país para receber estrangeiros, principalmente aqueles que desejam empreender e gerar negócios em Portugal. Os dados do instituto indicam a possibilidade de Portugal ter, com as variáveis atuais, 137 pessoas em idade ativa para cada 100 idosos, em 2080. Ou seja, ou os “velhinhos” trabalham (e eu me incluo nessa turma), ou vai faltar dinheiro para manter benefícios na aposentadoria. 

Jogo de cartas em Lisboa. Foto: Peter Wise / FT.

Pela nossa ainda curta experiência aqui na terrinha, temos visto muitas donas Elisa, Amorosa, Delfina, peixeiras, taxistas e tantas outras senhoras e senhores dando um duro danado, encarando trabalhos até pesados. Também nos chamou atenção a forma inclusiva e acolhedora com que essa fatia da população é tratada, ao menos aqui na nossa cidade. Dias atrás, numa pedalada por algumas das ruas estreitas de Ovar, um velhinho travou o transito com o seu carro parado. Em pouco tempo, um rapaz estacionou seu furgão e foi socorre-lo. Uma moça parou a scooter e fez o mesmo. Eu, claro, também encostei a magrela e fui lá ver se “pegava no tranco”. Éramos três empurrando o carro e o velhinho dirigindo. Ninguém resmungando ou fazendo comentários depreciativos sobre aquele senhor meio constrangido. Ao contrário. “A gente tem que ajudar e respeitar. Tenho meu pai velhinho também e sei como é importante dar apoio nessa hora”, falava a moça enquanto empurrávamos o carro na rua de pedra. E quando já tínhamos conseguido retirar o veículo do meio da pista, ela emprestou o celular dela para ele ligar para o seguro.  

Ainda estamos longe de 2080 e eu certamente não estarei por aqui para confirmar as previsões, mas meus filhos farão parte dos indicadores da terceira idade daqui a pouco mais de seis décadas em Portugal, se seguirem a vida por aqui.  Espero que exemplos como esse – de respeito e de trabalho – façam parte da trajetória deles.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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