Ufa, férias para os pais…

O calendário escolar aqui em Portugal é diferente do nosso e o novo ano começa agora em setembro. As férias de verão – nosso inverno no Brasil – são longas, bem longas… E no inverno, ao contrário, a pausa é menorzinha. Faz sentido mesmo. O ano escolar é dividido em três grandes períodos: o primeiro, que começa esta semana, vai até 14 de dezembro. O segundo começa em 3 de janeiro, o que dá, portanto, pouco menos de três semanas de parada nas festas de final de ano. E aí mais uma parada entre 5 e 23 de abril, as “férias da Páscoa”, para que chegue então o terceiro e último período, que acaba até a terceira semana de junho, dependendo do ano que está sendo cursado. Essa grande diferença entre os três períodos (dois deles com cerca de 3 meses e o terceiro com a metade deste tempo) provoca algum descontentamento entre as instituições ligadas à educação. A Federação Nacional de Educação (FNE), por exemplo, já lamentou o fato de o Ministério da Educação desenhar o ano letivo levando em conta as festividades religiosas, criando um certo desequilíbrio nos períodos em que as crianças estão nas classes. Para o Conselho Nacional de Educação (CNE), períodos muito longos não são benéficos para a aprendizagem. A entidade defende uma nova organização escolar, com o tempo melhor distribuído ao longo do ano.

O calendário escolar aqui em Portugal é diferente do nosso e o novo ano começa agora em setembro. Foto: Lusa.

Mas a distribuição do tempo – certa ou errada – não é desculpa para que o aprendizado não seja levado muito a sério por aqui. Além das avaliações regulares durante o ano, a exemplo do que temos no Brasil, há provas de aferição ao longo do tempo em que as crianças e jovens passam na escola: alunos do segundo ano realizam provas de Expressões Artísticas, Expressões Físico-Motoras, Português e Estudo do Meio e Matemática; os do quinto ano são avaliados em Matemática, Ciências Naturais, História e Geografia; e os da oitava série passam pelas provas de Português, História e Geografia.

Aqui, aliás, estudar não é uma opção. É lei. A escolaridade é obrigatória até os 18 anos de idade (ou até o 12 º ano do ensino secundário). Não é exagero dizer que criança fora da escola torna os pais ou encarregados de educação praticamente criminosos. Quando chegamos a Portugal, em janeiro deste ano, as aulas já haviam começado. O segundo dos três períodos estava começando e nós sabíamos que colocar o filho na escola era importante. Mas tinha também que procurar lugar para morar, resolver papelada e tudo mais de uma nova vida em um novo país. Mas logo vimos que esse “tudo mais” podia ficar para depois. Até mesmo um teto para dormir não se mostrou tão importante como ter o filho no colégio. Nossos primeiros contatos por aqui sempre perguntavam: “o miúdo já está a estudar?”, “já viram a escola do pequeno?”. Não demorou muito para percebermos a importância deste tema. E assim foi. Não tínhamos ainda a casa definitiva, os papéis, a primeira compra de supermercado, mas no terceiro dia de terrinha ele já estava lá, encarando uma nova sala de aula, enfrentando um super novo desafio. A Lei 85/2009 define a universalidade da educação pré-escolar para todas as crianças a partir do ano em que atinjam os 5 anos de idade. Isto significa que o Estado se compromete a garantir que exista vaga para todas as crianças com 5 anos na educação pré-escolar, caso os encarregados de educação assim o desejem. Mas a matrícula é realmente obrigatória no ensino básico, no primeiro ano do 1º ciclo. Lá foi ele, no frio da primeira semana de janeiro, ter sua rica experiência na escola pública, período integral, com livros de graça e um almoço de causar inveja por pouco mais de 1 euro por dia. E, o mais importante, professores e assistentes que receberam o nosso “miúdo” como um filho. Ele agora vai para um colégio novo, mais perto de casa (aqui vale um comentário sobre como tudo nesse vida é relativo: a antiga escola era “bem longe” no padrão da turma daqui, algo como 3,5 quilômetros de casa. “Por que ele estuda tão longe?”, perguntavam. Eu não entendia bem esse critério de distância deles e insistia em ir até a pé, pois… Mas acabei sucumbindo e ele agora estuda um pouco mais próximo, tipo pouco mais de um quilômetro de caminhada. Acharam que melhorou. Mas ainda não é tão perto). E quando fomos nos despedir da professora e da querida assistente que o ajudava até na hora do almoço na antiga escola, foi aquela emoção. “O brazuquinha vai embora? Ele não gostou da escola?”. Não, Dona Elisa, é que aqui é muito longe pra gente, respondi também emocionado.

A data de início das aulas em Portugal, é igual para todos os alunos, desde as crianças do pré-escolar até aos adolescentes do ensino secundário. Foto: Sapo.

Mas junto com o nosso pequeno e a irmã mocinha que retoma Coimbra nesses dias, pouco mais de 2 milhões de crianças, adolescentes e jovens voltam às aulas, da pré-escola até a universidade. De acordo com o último censo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), são cerca de 260 mil crianças na pré-escola, pouco mais de 1 milhão no Ensino Básico, quase 400 mil no Ensino Secundário e outros 350 mil no superior. Tais números se mantêm com poucas alterações desde o ano 2000, com exceção das classes do ensino básico, que reúnem cada vez menos crianças. Os “miúdos” estão deixando de ir para escola? Não, o problema é que a população tem envelhecido e a faixa etária daqueles que estão no início da vida escolar é cada vez menor. Previsões do Ministério da Educação apontam que as escolas públicas terão pouco mais de 100 mil alunos a menos nas salas em 2021. Nos dados levantados pela DGEEC o cenário é pessimista: o número de alunos deve encolher em todos os anos de escolaridade, mas é mais grave no ensino básico. E a associação com a crise demográfica é direta, principalmente quando se olha para as crianças nascidas entre 2009 e 2014. Neste mesmo intervalo de tempo, o número de nascimentos caiu de 120 mil (em 2000) para 101 mil (em 2010) e, em seguida, para pouco mais de 82 mil (em 2014), segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). De qualquer forma, quando comparamos com a realidade do Brasil, a diferença é enorme. Mesmo sem ser obrigatório, quase 95% das crianças de até 5 anos de idade – fase pré-escolar – frequentavam o Jardim de Infância aqui em Portugal no levantamento feito no período 2015/2016.

Jornal de Notícias desta semana mostrou que os livros gratuitos representam uma economia de até 425 euros ao longo dos 12 anos de ensino. Foto: Reuters.

Números à parte, o clima de volta às aulas não é diferente do que vemos no Brasil. Onde tem criança e pais, nos parques e sorveterias, as conversas sempre giram sobre o novo ano, as novas matérias, novos professores. No supermercado, gôndolas e mais gôndolas dando todo o destaque para os cadernos, lápis, mochilas, pastas e afins. E aqui tem uma coisa muito boa: todas as famílias inscritas numa plataforma online lançada pelo Ministério da Educação tem direito a livros gratuitos, benefício que deve favorecer cerca de 500 mil alunos até 6º ano no período 2018/2019.

Plataforma MEGA. Foto: Divulgação. O processo é simples. Basta cadastrar o nome do aluno (no site) e do responsável pela educação para ter acesso a um voucher com código de barras para ser utilizado nas livrarias conveniadas. Apesar de a plataforma receber algumas reclamações sobre o seu funcionamento, o governo garante que mais de 400 mil já estão com os vouchers. Tal benefício custa, para o Ministério da Educação, aproximadamente 32 milhões de euros ao ano. Mas como a medida não beneficia todos os ciclos escolares, um outro estudo apontou que, na média, as famílias gastam 114 euros por ano só com a compra dos livros escolares. Ou, quando se considera todo o gasto com material escolar e demais despesas relacionadas, cada família gasta em média 400 euros ao ano. Uma grande reportagem do Jornal de Notícias desta semana mostrou que os livros gratuitos representam uma economia de até 425 euros ao longo dos 12 anos de ensino. Mesmo assim, aponta o JN, um estudante da escola pública pode ter gastos de quase quatro mil euros, somando livros e materiais escolares, em todos os anos de escola antes do ensino superior. Com isso, há um importante movimento da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) que pede que os livros sejam gratuitos para todos os ciclos e anos, pois o impacto pode ser grande no orçamento familiar. A entidade reforça ainda uma mensagem importante: evitem escrever nos livros para que eles possam ser doados nos anos seguintes para outros alunos.

Para nós, a volta às aulas, mesmo com o aumento dos gastos, é o momento de reequilibrar a rotina. Que bom ter hora certa pra dormir, hora certa pra acordar, hora certa pra comer e tomar banho, hora pra estudar, que bom ter o filho na escola das 9h às 17h.  Porque a gente até tenta manter os combinados dos dias de aula, mas depois de ouvir vários “ah, pai, tô de ferias…”, não há como não dar aquela flexibilizadazinha, né? Afinal, já tive os meus 8 anos.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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