Valorização da diversidade cultural: um desafio contemporâneo

A partir de 2002 as políticas culturais, sobretudo do governo federal foi a de valorização das comunidades tradicionais no sentido de entendê-las como patrimônio imaterial. A partir desse entendimento, torna-se imperiosa a preservação e divulgação das memórias desses grupos e comunidades. E mais do que isso estender esse preceito para valorização da diversidade cultural.

Hoje muito se fala em valorização da diversidade cultural, mas é  preciso tomar cuidado com a expressão “diversidade cultural”, pois ela pode levar a uma noção romântica e a confinamentos das comunidades à sua própria história. Uma espécie de cristalização de seu passado.  A esse repeito José Marcio Barros coloca:

O enfrentamento crítico da questão sugere que se vá além da postura que confina a diversidade cultural ao passado, às tradições ou às culturas populares. Demanda também a superação de uma curiosa prática, na qual, em nome de sua proteção, se vê reforçada a preservação de fundamentalismos de matizes as mais distintas[1].

E aqui reside, a meu ver, a importância das práticas museológicas como as desenvolvidas pelo Museu da Pessoa ao longo de sua trajetória histórica. A partir de sua metodologia de história oral e práticas de disseminação dos conteúdos produzidos, o Museu vem buscando evidenciar no passado dos grupos ou das pessoas as experiências vividas. E, ao evidenciar as experiências vividas, podem-se abrir caminhos para as questões, expectativas e desafios que se colocam no presente para as próprias pessoas, os próprios grupos, comunidades, coletivos, redes. É a partir desse horizonte que podemos entender a diversidade cultural:

 “como construção, assumindo um papel de fonte de dinamismo social e econômico, capaz de enriquecer a condição humana no século XXI e suscitar novas relações entre memória, a criatividade e a inovação”[2].

Para Jesus Martín Barbero, diversidade cultural hoje significa alteridade e multiculturalidade, sendo que a  alteridade indica agora o desafio das culturas diferentes da hegemônica; o que para ele é impossível sem se fazer o vínculo da diferença com a desigualdade social e a discriminação política, ou seja, colocando em primeiro plano a indispensável ligação entre direitos culturais e sociais. Interculturalidade no sentido de que a comunicação é dimensão constitutiva da vida cultural, o que é acentuado hoje, quando algumas das transformações culturais mais decisivas que estamos vivendo provêm das mutações que a rede tecnológica da comunicação atravessa, mutações que, ao afetar a percepção que as comunidades culturais têm de si mesmas, de seus modos de construir as identidades[3].

A diversidade cultural traz em si a questão das identidades ou da identidade dos grupos, comunidades, pessoas. E aqui podemos cair na armadilha, também, de utilizar identidade simplesmente como sinônimo de raízes e origens, desvinculadas do presente. Importante sublinhar a relação entre identidade e relato apontada por Martín Barbero:

O novo imaginário relaciona menos a identidade com essências e muito mais com trajetórias e relatos. Para isso, a polissemia do verbo ‘contar’ se torna amplamente significativa. ‘Contar’ significa tanto narrar histórias como ser considerado pelos outros. O que implica que, para ser reconhecidos, precisamos contar o nosso relato, pois não existe identidade sem narração, já que esta não é somente expressiva, mas sim construtiva do que somos. Para que a pluralidade das culturas do mundo seja politicamente considerada, é indispensável que a diversidade de identidades possa ser contada, narrada[4].

É dentro desse contexto que podemos entender a atuação do Museu da Pessoa, que se propõe a ser um “lugar” onde a diversidade de identidades possa ser contada.

Ao incentivar ou promover um projeto cultural as empresas devem ter em mente esse desafio contemporâneo de valorização da diversidade cultural. Comunicar as memórias dos diferentes grupos para os seus diferentes públicos e com a sociedade de maneira geral, assumindo assim o seu papel de empresa cidadã.

Rosana Miziara é historiadora com mestrado em história social e gestora cultural.

Publicado originalmente na Revista da ABERJE.

[1] BARROS, José Marcio. “Aos Leitores”. Revista Observatório Itaú Cultural, nº 8 (abr./jul. 2009), São Paulo: Itaú Cultural, 2009, p. 9
[2] Idem.
[3] MARTÍN-BARBERO, Jesus. “Desafios Políticos da Diversidade” Revista Observatório Itaú Cultural, nº 8 (abr./jul. 2009), São Paulo: Itaú Cultural, 2009, pp. 154-155.
[4] 15Idem, ibidem, p.156. O comentário baseia-se em BHABHA, Homi K. (Ed.). Nation and narration. Londres: Routledge, 1977; e MARINAS, Jose Miguel. “La identidad contada”. In: Destinos del relato al fin del milenio. Valência: Archivos de la Filmoteca, 1995. p. 66-73.

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