Realmente não foi um ano fácil e a tal da crise veio mesmo – e olha que nem ele, o ano, ou ela, a crise, acabaram. Um olhar um pouco mais isento, no entanto, fará você perceber que muita coisa bacana e interessante também aconteceu durante o ano. É olhar o lado meio cheio do copo, sem por isso ser acusado de ser um alienado que não enxerga problemas ou um otimista irrecuperável.
Houve uma série de notícias incríveis em 2015 no Brasil e no mundo: a prisão de “intocáveis” da República, o fim do financiamento privado nas eleições, a consolidação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), os avanços na COP-21, a Encíclica Papal da sustentabilidade, entre tantas outras.
Ciclovia da Av. Paulista. Foto: Marcio Fernandes / Estadão.
Pode fazer o teste: quem diz que não gosta da Paulista fechada para os carros aos domingos muito provavelmente nunca passou por lá. A teoria dos hospitais (a de que o fechamento prejudicaria os acessos e as emergências) caiu por terra, o trânsito no entorno registrou impacto muito menor do que o esperado, o clima é de festa de parque no fim de semana e os comerciantes locais começam, finalmente, a perceber que a Paulista aberta ao público é um ótimo negócio. Até alguns agentes mais resistentes, como o Ministério Público, começam a ceder nesse sentido. A cidade ganhou uma nova e peculiar área de lazer. E olha que não é só a Paulista. Em breve, teremos avenidas abertas para o lazer da população, aos domingos, em cada canto da cidade.
O rapper Criolo na Virada Ocupação. Foto: Bruno Santos / Folhapress.
Impossível não constar dessa lista o fato de um movimento de ocupação que começou pequeno, restrito a algumas poucas escolas estaduais, ter ganhado tamanha escala e acabar gerando a reversão de uma decisão do governo estadual, além da queda de seu secretário de Educação. Não importa se a decisão de reorganizar as escolas fazia, tecnicamente, sentido ou não (eu, pessoalmente, acho que fazia), ou da participação de movimentos políticos no meio desse barco, mas sim de impor decisões para a população sem a devida comunicação e debate, especialmente os diretamente afetados. Estamos assistindo a um novo modelo de democracia, que é participativa. E temos que nos acostumar com ela, gostemos ou não.
Mutirão do Acupuntura Urbana no Glicério. Imagem: Acervo Acupuntura Urbana.
Ciclista na Av. da Liberdade. Foto: Willian Cruz / Vá de Bike.
Você acha que a implementação de ciclovias por toda a cidade foi feita apenas para atender demandas dos ciclistas? Errado. Elas também tornam as ruas mais seguras, silenciosas e convidativas, com diversas externalidades positivas, inclusive no comércio local. O mesmo vale para as reduções de velocidade nas principais vias da cidade, algo que as estatísticas sobre acidentes já começam a apontar como uma medida mais do que necessária (e atrasada). Houve falhas no processo? Ok. A Prefeitura é ruim em se comunicar? Ok. Mas não há mais como negar que a combinação de bikes e menos velocidade nas vias, combinadas a uma série de outras ações, deixaram o trânsito melhor e mais seguro em São Paulo. E que os paulistanos começam a descobrir, finalmente, que deixar o carro em casa em determinadas situações pode ser uma bela e saudável experiência.
Produção orgânica em Parelheiros. Foto: Blog Horta Orgânica em Casa.
Você já deve ter percebido que os alimentos orgânicos estão mais baratos e acessíveis. Isso não aconteceu por acaso. Houve uma proliferação das feiras e pontos de venda de orgânicos na cidade, impulsionados por uma maior demanda (as pessoas estão mais conscientes de sua alimentação) e pelo estímulo à produção familiar, que vem transformando o cenário da agricultura no Extremo Sul da cidade. Além, é claro, da tendência agora “cool” de cultivar diferentes tipos de hortaliças e frutas, em casa ou em hortas comunitárias nos espaços públicos, utilizando a compostagem (uma utilização quase “óbvia” para nossos resíduos orgânicos) de maneira efetiva. Quem planta, seus males espanta.
O.bra Festival 2015. Foto: Brunella Nunes / Hypeness.
Há poucos anos, quem passava pelas avenidas 23 de maio, Cruzeiro do Sul, pelo Minhocão, notava apenas “outdoors” e placas e mais placas de anúncios publicitários. Em 2007, veio a lei Cidade Limpa (que certamente constaria na lista Top 10 daquele ano) e começamos a enxergar um mar de empenas e muros opacos, reforçando a aridez do concreto e do cinza paulistano. O que vemos agora – e 2015 foi um marco nesse movimento, com o maior número de projetos e obras realizadas – é a transformação da cidade incolor em cidade colorida, ocupada pelo graffiti e seus artistas. O chamado “graffiti art” transformou São Paulo, embelezando suas empenas, muros e paredes, em todos os bairros. E colocou a cidade entre as principais do mundo quando o assunto é arte urbana. Não notou? Olhe para cima.
Manifestação sobre a crise hídrica. Foto: Estadão
Muita gente vai discordar, alegando que bastou chover nessas últimas semanas e muita gente já relaxou na consciência de que a água é um recurso finito, que deve ser usado com cuidado. Não é bem assim: apesar do relaxamento em novembro e possivelmente em dezembro, o consumo de água por habitante consolidou o ano num patamar bem abaixo do registrado na época das vacas gordas, ou melhor, das represas cheias. Ainda estamos no cheque especial, muita coisa há de ser feita e a confiança nos gestores anda baixa, mas não há como negar que 2015 foi o ano em que a relação da população paulistana com a água definitivamente mudou. Conseguimos entender que usar a água de maneira irresponsável pode resultar na sua falta, é o ensinamento que a crise hídrica nos deixou. Infelizmente, não pelo amor, mas pela dor.
Virada da Saúde. Foto: Secom / PMSP.
Minhocão. Foto: Felipe Morozini.
A notícia veio no começo de julho e pegou muita gente de surpresa: o Elevado Costa e Silva, popularmente conhecido como Minhocão, seria fechado também aos sábados para os carros, criando na prática uma área de lazer de fim de semana para o entorno de uma região que até hoje guarda cicatrizes expostas por tamanha intervenção urbana. Próximo da efervescência dos movimentos culturais e dos coletivos, o Minhocão foi logo ocupado com atividades e atrações (como um grupo de teatro que se apresenta nas janelas de um edifício para o público sentado na via, tamanha a proximidade) e é hoje um dos pontos mais modernex da cidade. Sem falar das incríveis empenas ocupadas pelo grafitti e paredes verdes. Os grupos que atuam na defesa do “Parque Minhocão” agora aguardam a possibilidade de um fechamento definitivo, criando um parque suspenso nos moldes do High Line Park de Nova Iorque.
10. Tecnologia para o cidadão
Aplicativo SP Sem Carro. Imagem: reprodução / Facebook.