No MASP os cavaletes de Lina Bo Bardi e um novo jeito antigo de exibir arte

Tirados de cena em 1996, os suportes de concreto, madeira e vidro tiveram seu projeto revisado pelo escritório METRO Arquitetos, que assumiu em dezembro passado a área de expografia do MASP. Tendo realizado este ano algumas exibições no museu – como a  Arte do Brasil até 1900 – o escritório conclui o ano de 2015 trazendo de volta os cavaletes e uma expografia bastante semelhante à original concebida por Lina, que, quase cinco décadas depois, continua a impressionar por seu modo inovador de exibir obras de arte em um espaço museológico. 

Tivemos a oportunidade de visitar a montagem da exposição e conversar com o arquiteto *Martin Corullonsobre a volta dos cavaletes e o processo de recuperação do espaço pensado por Lina para o museu. Leia, a seguir, a entrevista completa:

O atual diretor artístico do MASP, Adriano Pedrosa, ao assumir o posto no final de 2014 disse que queria olhar para o passado a fim de redefinir o futuro do Museu. Devolver os cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi à galeria de pinturas parece ser o grande cume deste plano. Como vocês avaliaram esta proposta?

Todo o plano de recuperação institucional do museu, inclui recuperar o edifício e as formas de expor, é um primeiro passo inevitável e bem-vindo. Quase uma dívida doMASP com a sua história. Particularmente, acho os cavaletes incríveis. É uma forma muito radical e inovadora de expor pintura que recentemente foi recuperada por muita gente que estuda o assunto. Sem dúvida, este é um patrimônio do museu que deveria voltar, especialmente se considerarmos o modo convencional e conservador, e a má qualidade das últimas montagens. 

O museu tem a tradição, desde sua origem de ser inovador, de propor movimentos e se manter vivo. Após esta retomada, o MASP volta à estaca inicial e é importante pensar o que será feito daqui para frente para não se tornar um museu do museu.

Quais foram as principais mudanças feitas pelo METRO no redesenho dos cavaletes?

A principal mudança é a padronização da fixação das obras aos vidros. Cada vidro era furado especificamente para uma obra. Por exemplo, o Van Gogh tinha quatro furos em seus cantos, outras eram fixadas direto pelo chassi, isso criava tensões indesejáveis e cada vidro se tornava exclusivo à obra a que pertencia. Para mudar a pintura de lugar, era necessário levar todo o vidro ou ele era descartado, já que não poderia ser utilizado para outras obras.

Nós padronizamos a distância dos furos e altura. Agora existem quatro tamanhos de vidro e quatro padrões de furação, desenhamos uma travessa metálica com duas buchas e parafusos que permitem nivelar a obra. Tanto as obras da coleção como os vidros foram divididos em diferentes conjuntos de acordo com seus tamanhos. Assim, todos os vidros possuem 2,40 m de altura e suas larguras variam entre as medidas de 0,75 m, 1,00 m, 1,50 m e 2,20 m – sendo que este último, com duas bases de concreto, nunca havia sido executado mas estava nos croquis originais da Lina.

O bloco de base também sofreu pequenas adaptações para facilitar a montagem e o nivelamento, uma vez que o piso do museu possui uma barriga e não é completamente plano.
Cavalete original (acima) e sua versão renovada (abaixo). Image © Romullo Baratto

E quais foram essas adaptações?

Fizemos quatro recessos embaixo, onde se alojam discos de neoprene com alturas diferentes para possibilitar o nivelamento. Isso antes era feito com uma cunha de madeira de forma improvisada, agora inclina-se todo o cavalete para colocar os discos na altura certa. Além disso, uma das críticas que eram feitas aos cavaletes originais é que este transmitia e amplificava as vibrações da laje do museu para as obras, com o neoprene, é possível que a vibração seja absorvida.  

Também ajustamos o sistema de pressão do vidro. Como a cunha de madeira desliza na diagonal, o parafuso original entortava ao ser apertado. Assim, alargamos o canal e invertemos o sistema. A porca agora fica embaixo, antes ela ficava encima. Foram pequenos ajustes que fizemos para tornar o cavalete mais resistente, mais durável e de fácil manuseio, para que possa ser reutilizado. No entanto, mantivemos a geometria exata e o mesmo material.

Para chegar a isso, tivemos que pesquisar e reproduzir do zero o desenho, sempre tentando transformá-lo em um sistema, assim como os outros sistemas expográficos inspirados em projetos da Lina que desenvolvemos para outras exposições no museu, no subsolo e no primeiro pavimento, que foram baseados em documentos e transformados em sistemas reutilizáveis. 

© Romullo Baratto

As obras aparentemente ficam sem proteção, como funciona a segurança delas?

Este foi um dos grandes trabalhos feito este ano pela equipe do museu: a criação de contra molduras. Estas foram feitas para possibilitar a inserção de um vidro antirreflexo que protege as telas. 

© Romullo Baratto

Quanto ao layout, vocês também seguiram o que era originalmente proposto por Lina Bo Bardi?

O layout original, o primeiro, era muito duro. Mas foi sendo alterado, houve muitas mudanças durante os quase 30 anos expostos. Portanto, não existe uma montagem de referência.

© Romullo Baratto

Uma grande alteração foi feita no sistema de iluminação do museu. Originalmente era feita uma iluminação indireta que vinha da lateral e jogava a luz para o teto – quando ainda não haviam os dutos de ar condicionado -, portanto, existia uma luz homogênea difusa. Isso já havia sido mudado na reforma dos anos noventa, mas era muito pesada visualmente e tecnologicamente defasada. Agora, além de muito leve, instalamos luminárias LED e um sistema de automação que permite ajustar a intensidade de cada luminária separadamente, por um Ipad, por exemplo.

Repetimos a organização que já existia de fileiras transversas. Dispusemos a seleção de obras do curador em ordem cronológica, começando pela obra mais antiga e seguindo uma sequência rigorosa pelas fileiras. Foi feita a distribuição a partir de regras que criamos, como abrir recuos e separações de acordo com a dimensão das obras e largura dos cavaletes, que resulta em uma distribuição randômica, que gera associações entre obras inesperadas e interessantes.
© Romullo Baratto

*A entrevista com Martin Corullon foi realizada pelos editores (fotos) e Victor Delaqua no dia 7 de dezembro, na pinacoteca do MASP. Agradecemos à diretoria do museu por nos receber durante a montagem da exposição. 

***

Fonte: Arch Daily.

 

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