6 razões pelas quais as ruas ainda privilegiam os carros e como melhorá-las para as bicicletas

A boa notícia é que já temos cidades preocupadas e empenhadas em promover as bicicletas como agentes para uma mobilidade mais sustentável no futuro. Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Joinville, Brasília, entre tantas outras vêm aumentando constantemente seus quilômetros de ciclovias e planejando ações em prol do pedalar. No entanto, a maioria dos municípios e centros urbanos brasileiros ainda apresentam características que evidenciam a priorização dos carros sobre qualquer outro modo de transporte – inclusive sobre as pessoas.

Listamos seis evidências de como ainda construímos nossas vias em benefício dos automóveis. Todas também são, na realidade, barreiras para o uso da bicicleta nas grandes cidades, mas que podem ser vencidas. Para cada uma das evidências apresentamos as melhores práticas e soluções de projeto para que a infraestrutura urbana facilite a disseminação do uso da bicicleta nas cidades, com base em três publicações do WRI Brasil: Acessos SegurosO Desenho de Cidades Seguras e Manual de Projetos e Programas para Incentivar o Uso de Bicicletas em Comunidades.

1 – Falta espaço para os ciclistas 

Foto: Kauê Pallone/Arte: Daniel Hunter/WRI Brasil.

Por muitos anos, as redes viárias das cidades foram construídas para dar mais espaço aos carros. Ainda que ruas alargadas tornem-se novamente lotadas em pouco tempo, continuamos repetindo os mesmos erros: aumentar a largura das faixas de tráfego, diminuir o espaço das calçadas e praticamente esquecer a presença e a segurança dos ciclistas.

Como pode ser: Todas as vias devem ser seguras para pedalar. A escolha da infraestrutura, entre ciclovia, ciclofaixa ou via compartilhada com outros usuários, deve ser feita com base na velocidade e no fluxo de veículos motorizados. Nem toda a via precisa ter uma faixa segregada para a circulação de ciclistas – se o fluxo de carros for baixo e a velocidade menor do que 30 km/h, por exemplo, o espaço pode ser compartilhado.

Outra medida para aumentar ainda mais as alternativas para os ciclistas, é criar trilhas fora das vias. Geralmente estão localizadas em parques, antigos corredores ferroviários, assim como ao longo de rios ou orlas. Esses caminhos criam atalhos para os ciclistas por onde os carros não podem trafegar

2 – Poucas conexões

Foto: Google Maps/Arte: Daniel Hunter/WRI Brasil.

Assim como os motoristas, os ciclistas também precisam de uma rede de caminhos para circular na cidade. Por ser um veículo de propulsão humana (usa-se a força do corpo), a bicicleta terá mais probabilidade de ser escolhida entre as alternativas de transporte se caminhos contínuos estiverem disponíveis. Quando o deslocamento é interrompido diversas vezes por falta de estrutura segura, é muito provável que a bicicleta fique em casa. Malhas cicloviárias seguras e instalações para estacionar, estimulam o uso da bicicleta, além de promover a atividade física, reduzir viagens motorizadas e os impactos ambientais.

Como pode ser: A rota dos ciclistas deve ser a mais direta possível e ter prioridade de passagem contínua. A segurança das malhas cicloviárias também pode ser melhorada através de orientação, sinalização e integração com outros modais de transporte.

3 – Altas velocidades

Foto: Mariana Gil/Arte: Daniel Hunter/WRI Brasil

Melhorar a segurança demanda reduzir a velocidade dos veículos e diminuir os conflitos. Ruas largas e com muitas faixas para os veículos motorizados normalmente estimulam velocidades altas. Vias com pavimento mal sinalizado induzem movimentos veiculares imprevisíveis, o que aumenta muito o risco para os ciclistas. A severidade dos acidentes cresce exponencialmente com a velocidade, isto é, quanto maior a velocidade, maiores as chances de gerar ferimentos graves e morte.

Como pode ser: Os limites de velocidade indicados pelo Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 1997) são superiores ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que, para vias urbanas arteriais, é de até 50 km/h.  Em áreas com grande movimentação de pedestres e ciclistas, como nos arredores de estações de transporte coletivo, a recomendação para o limite de velocidade é de 30 km/h, podendo chegar a 20 km/h em ruas compartilhadas. Além de adequar as leis e reduzir a velocidade máxima permitida nas vias, as cidades podem adotar medidas que modificam o comportamento dos motoristas no ambiente viário, aumentando a percepção da presença de pedestres e ciclistas. Lombadas, chicanas e rotatórias são exemplos de medidas que incentivam os motoristas a trafegarem com velocidades reduzidas.

4 – Segurança nas interseções

Foto: Mariana Gil/Arte: Daniel Hunter/WRI Brasil.

A maior parte das colisões envolvendo ciclistas ocorre em interseções mal sinalizadas e que não favorecem o tráfego de bicicletas. As interseções rodocicloviárias devem receber especial atenção para reduzir os conflitos de conversão e melhorar a visibilidade entre motoristas e ciclistas.

Como pode ser: Sinalização horizontal e vertical de qualidade são fundamentais para tornar uma interseção mais segura para os ciclistas. Outros elementos menos usuais também podem aumentar o conforto e a segurança. Bike boxes (espaços exclusivos para ciclistas, para que se posicionem à frente dos carros num semáforo), por exemplo, são usados em interseções semaforizadas com alto volume de bicicletas, especialmente onde há conflitos entre a conversão à esquerda de bicicletas e a conversão à direita de veículos motorizados. O uso de pavimento colorido aumenta a atenção dos motoristas para a presença de ciclistas. Os semáforos para bicicletas também são indicados em interseções com volume significativo de bicicletas, podendo ser programado com pré-verde, ou verde antecipado, que aumentam a percepção de motoristas quanto à presença de ciclistas, diminuindo o risco de conflitos.

5 – Falta incentivo em leis e em educação

Foto: Dylan Passmore/Arte: Daniel Hunter/WRI Brasil.

A verdade é que o Brasil ainda precisa construir uma cultura da bicicleta, desde leis e a aplicação delas até a mudança de hábitos e comportamentos. Mudar comportamentos é responsabilidade também das próprias comunidades, empresas, universidades e polos geradores de tráfego – enfim, de todos.

Como fazer: O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) inclui a bicicleta em diversos artigos nos quais garante uma série de direitos e também deveres aos ciclistas. Ainda que a lei preveja a prioridade do tráfego de bicicletas sobre os veículos, essa não é a regra cumprida nas ruas. Se o CTB se adequasse às recomendações da OMS referentes à velocidade seria um grande ganho na atuação contra o alto número de acidentes de trânsito envolvendo bicicletas.

Uma proposta sendo estudada na Câmara dos Deputados prevê um “novo” Código, com possíveis alterações positivas para os ciclistas. O maior ganho para as bicicletas nesse novo CTB corresponde ao aumento da gravidade da infração para quem descumpre a regra que estabelece a distância lateral de um metro e meio ao passar por uma bicicleta. Atualmente, essa infração é considerada média, mas passaria a ser uma infração gravíssima.

Com um bom conjunto de leis e regulamentos que tratam os ciclistas de forma equitativa dentro do sistema de transporte, a próxima questão-chave é a própria aplicação da lei. O desafio é capacitar agentes de trânsito para entender e saber fazer valer a lei.

A educação de trânsito é outro aspecto necessário para incentivar o pedalar. Em países conhecidos pelo amplo uso da bicicleta, como Dinamarca e Holanda, a cultura do ciclismo foi construída ao longo de muitos anos, através de grandes projetos e campanhas de incentivo à bicicleta. Além disso, ensinar desde cedo crianças e adolescentes acerca de tópicos relacionados ao ciclismo seguro e à manutenção básica de bicicletas pode contribuir muito para a criação dessa cultura.

6 – Faltam atrativos

Imagem: Daniel Hunter/WRI Brasil.

A segurança pública influencia diretamente na hora de decidir por pedalar ou não. Os espaços precisam transmitir a sensação de segurança através de atrativos que garantam a permanência de pessoas nas vias públicas. Os chamados “olhos na rua” são importantes aliados na melhoria da percepção de segurança.

O que fazer: A qualidade da paisagem deve receber atenção especial para atrair as pessoas. A superfície das vias deve contar com uma manutenção permanente, para eliminar buracos, detritos e obstáculos. A instalação de plantas pode ajudar a bloquear a ação do vento, proporcionando mais estabilidade e conforto aos ciclistas. A rede cicloviária deve ser iluminada para encorajar o uso noturno.

A presença de bicicletários e paraciclos é essencial no entorno das estações de transporte coletivo para incentivar a integração entre os modos de transporte ‒ um espaço utilizado para estacionar sete carros pode ser transformado em paraciclo e abrigar até 80 bicicletas confortavelmente. Os paraciclos também são recomendados próximos de estabelecimentos comerciais e parques.

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Por Paula Tanscheit no The City Fix Brasil.

 

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