Uma das mais belas composições de Gilberto Gil – ‘Se eu quiser falar com Deus‘ – metaforiza o despojamento necessário para encontrar o sublime que, além do mais, não estará lá como imaginado inicialmente. Isso pode servir também como metáfora para várias outras áreas da cultura, onde a busca do essencial é igual a livrar-se do entulho supérfluo, que é o que impede “ver”. Como se a fé fosse ludibriada pelos excessos copiosos do barroco ou do rococó.
Leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência, seriam os traços da comunicação desejáveis para o presente, segundo lição de Italo Calvino. São portanto vários os caminhos de perda de sentido moderna, quando nos afastamos desses eixos norteadores da modernidade. É por isso que uma certa idéia de essência está tão perto e, ao mesmo tempo, tão inalcançável.
Para construir uma obra (culinária) duradoura, o sujeito que parte do excesso moderno vive a mesma ilusão de que seria possível construir um monumento a partir da espuma de sabão. O monumento é a pedra ou a madeira, a mão e o formão. E por que seria diferente diante de uma espécie vegetal da qual se quer atingir o âmago?
“Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Assista Se eu quiser falar com Deus – (Gilberto Gil, 1980).
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