A tentativa de Seattle de criar pontos para uso de drogas

A overdose de drogas mata 44% a mais do que acidentes de carro no país: foram 32.675 mortes no trânsito em 2014.

Com base no diagnóstico de que simplesmente proibir o consumo de drogas não está atingindo o objetivo de proteger a população, a cidade de Seattle decidiu implementar centros onde usuários podem usar essas drogas sem o risco de serem presos.

A medida foi aprovada por uma força-tarefa sobre a epidemia de uso abusivo de heroína na cidade, instituída em março de 2016 pelo prefeito Ed Murray, e conta com autoridades da área de saúde, incluindo o secretário de saúde pública de Seattle, Jeffrey Duchin.

Recomendações formais para a criação desses espaços devem ser divulgadas em setembro. Não há prazo estabelecido para que o projeto comece a funcionar de fato.

Como funcionariam os pontos

Alternativa à política de “guerra às drogas”, medidas como a estudada por Seattle buscam criar formas de diminuir o impacto do uso de entorpecentes e oferecer saídas para os usuários. Iniciativas nesse sentido são chamadas de “política de redução de danos”.

Em entrevista ao jornal “The Seattle Times”, Dunchin, que é um dos líderes do grupo, afirmou que os locais funcionarão como alternativa aos pontos em que o uso de drogas pela população mais pobre atualmente ocorre: becos, banheiros públicos, e aglomerações em parques.

Quem usa drogas terá acesso nesses pontos a agulhas limpas, medicamentos para caso de overdose e médicos. Drogas não poderão ser fornecidas no local. Os objetivos são:

  • Criar portas de entrada para atendimento de saúde e  tratamento de vício,
  • Diminuir o risco de infecção por HIV e hepatite,
  • Diminuir a quantidade de agulhas descartadas publicamente.
 
Os resultados de projetos similares
 

A medida estudada pela prefeitura de Seattle não é nova. Há iniciativas similares em países como Holanda e Austrália. Em 2003 foi criado o primeiro ponto para uso de drogas do Canadá em Vancouver, com o nome de InSite. Foi uma resposta à epidemia de overdose que atingiu a cidade e é o primeiro experimento do tipo na América do Norte.

Em entrevista ao jornal americano “The New York Times”, Liz Evans, que foi diretora-executiva de uma instituição sem fins lucrativos que geriu a unidade, afirma que a criação da InSite partiu do diagnóstico de que uma política de drogas que atacava usuários não estava gerando resultados satisfatórios.

“[O InSite] contrariava a ideia de que, se você pegar pesado com as pessoas, elas atingirão o fundo do poço e se reerguerão por conta própria e se recuperarão”, afirmou.

Publicado em 2014 no “Harm Reduction Journal”, o artigo acadêmico “Uma análise de custo-benefício de uma unidade para fumo [de crack] no centro de Vancouver, Canadá”, em uma tradução livre do inglês, afirma que a unidade evitou casos de transmissão de hepatite C e poupou 1,8 milhão de dólares canadenses em gastos com o sistema de saúde.

“Estabelecer mais unidades de fumo supervisionado seria uma forma benéfica e responsável do ponto de vista fiscal em adição ao sistema de saúde financiado com recursos públicos”, afirma o trabalho.

Publicado no mesmo ano e na mesma revista, o artigo “O impacto da redução de danos no HIV e no uso ilícito de drogas” afirma que “está claro que, ao conectar indivíduos a várias formas de tratamento de vício, programas como o InSite salvam vidas e dão apoio ao invés de prejudicar. Infelizmente, apesar das evidências de Vancouver mostrarem que a resposta de redução de danos serviu para reduzir problemas relacionados ao uso de drogas sem aumentar o uso de drogas local, barreiras para implementar [novos] programas de redução de danos continuam a existir”.

Em 2013, uma delegação de profissionais de saúde do Brasil e da Colômbia visitaram o local, segundo reportagem do jornal canadense “The Globe And Mail”.

Na época, a consultora de saúde do Ministério da Saúde da Colômbia Ines Mejia afirmou que o país planejava implementar medidas similares.

“Nós queremos implementar o que vocês têm aqui no nosso país, que está apenas começando a ter um problema de vício em heroína. Nós queremos usar o modelo de redução de danos”. Ines Mejia, consultora de saúde do Ministério da Saúde da Colômbia, em entrevista concedida em junho de 2013 ao jornal canadense ‘The Globe and Mail’.

Os testes em São Paulo

Em anos recentes, a cidade de São Paulo vem experimentando medidas em sentidos opostos: de redução de danos e de guerra às drogas.

Em 2012, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado implementaram uma política a partir da lógica de combate à droga na cracolândia, espaço no centro da cidade onde os entorpecentes são consumidos à luz do dia, no meio da rua. Policiais foram orientados a reprimir a venda e não tolerar mais o uso do crack em público.

“A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento. Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Quem busca ajuda não suporta mais aquela situação. Dor e o sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda” . Luiz Alberto Chaves de Oliveira, então coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, em entrevista concedida em 2012 ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’

Desde 2014, porém, a prefeitura mudou a orientação. Agora implementa uma abordagem por meio do “Programa de Braços Abertos”, em que o dependente recebe hospedagem e remuneração por trabalhos como varrição. Ele é incentivado a diminuir o consumo de drogas.

De acordo com pesquisa realizada em 2015 pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e o Leipsi (Laboratório de Estudos Interdisciplinares Sobre Psicoativos), e publicada pela PBPD (Plataforma Brasileira de Política de Drogas), “a redução do consumo de crack por parte dos beneficiários entrevistados é um resultado positivo de uma política que não é apenas regida pela lógica da ‘guerra às drogas’ ”. A PBPD tem se mostrado historicamente favorável a políticas de redução de danos.

Os pesquisadores entrevistaram 80 dos 398 beneficiários do programa. Desses, 67% afirmaram ter reduzido o consumo de crack depois de ingressar no Programa de Braços Abertos, e 51% diminuíram seu consumo de cocaína aspirada. Além disso, 54% afirmaram ter reduzido o uso de tabaco, 44% de álcool e 31% de maconha. E 95% dos atendidos afirmaram que o programa teve um impacto positivo ou muito positivo em suas vidas.

*** 
André Cabette Fábio no NEXO Jornal.

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