Alaíde Costa lança primeiro DVD em 60 anos de carreira

Alaíde Costa não gosta de se encontrar com a própria voz. “Quando alguém bota uma música minha para tocar, toco para outro canto”, diz a cantora, vestida com uma capa de seda preta bordada com canutilhos, como se fosse para um baile de gala. 

Mas a roupa de festa foi usada para passar o dia num estúdio da Vila Romana.É que no seu aniversário de 80 anos, em 8 de dezembro, ela terá de se confrontar com a sua voz casada com sua imagem: é quando será lançado o primeiro DVD da história de Alaíde, apelidada a Mãe da Bossa Nova. 

 
“E eu lá sei por que nunca tinham filmado um show meu?”, diz ela quando questionada se a demora era uma vontade sua, para preservar o foco na voz. Como a maioria dos expoentes da bossa nova, a carioca dispensa firulas e estéticas complexas. 
 
Há 60 anos, se esmera para trabalhar sons básicos de sua voz baixa e novas construções para canções consagradas. 
 
A gravação, que também originará um programa no Canal Brasil, foi um passeio pelo repertório das seis décadas de carreira da cantora carioca.
 
Tem Milton Nascimento, Johnny Alf, Oscar Castro Alves, Vinicius de Moraes. Tudo acompanhada por violão, baixo acústico e uma bateria de jazz ­que ela classifica como “uma coisa de outro mundo”. 

 
“Estou acostumada a ter a voz acompanhada só por flauta, piano, violão e olhe lá.” A bossista não é de ousar. Gosta dos seus arranjos minimalistas e da voz baixa e elegante. 
 
“No próximo a gente faz só você e um naipe de flautas. Quinze músicas!”, brinca o produtor Thiago Marques Luiz, que a convenceu a fazer as leves mudanças na sua lógica de trabalho. E também a voltar a cantar músicas com que não se encontrava há décadas, caso de “A Voz do Povo”, de João do Vale.
 
Ficar nu?

Os últimos tempos têm sido de debutes para Alaíde. Em 2014, lançou “Canções de Alaíde” seu primeiro álbum de composições próprias, em parceria com gente como Vinicius de Moraes ­”Amigo Amado”, de 1973, e “Tudo o que É Meu”, de 1965­e Milton Nascimento. Agora, se arrisca (de leve) em um cancioneiro que até então não tinha registrado. 

 
Tanto que, na hora de gravar uma faixa bônus, hesita. Pede para ouvir a gravação de “Preciso Chamar sua Atenção”, letra de Roberto Carlos em que o intérprete diz “Só me resta ficar nu pra chamar sua atenção”. Ainda mais calada do que o de costume, ouve os três minutos da faixa na sala de gravação. “Não sei se gosto. Não sei se é meu estilo.” 
 
O produtor ouve junto a ela. “Ficou ótimo! Tudo na vassourinha, tudo sutil. Precisa ser assim, ou ela me bota para correr”, brinca Luiz.

Ela cantara a música uma só vez, enquanto, na chácara do dono de uma gravadorase recuperava da operação que deteve uma perda progressiva de audição. “Não é que eu tenha nada contra Roberto Carlos. Acho essa música belíssima, só não é a minha praia.” Enquanto pensam na inclusão da música do Rei, amigos da cantora contam ter planejado também uma comemoração em uma das pedras fundamentais da música brasileira: o beco das Garrafas.

 
Alaíde diz que cantava lá quando “ainda era uma suburbana que não conhecia nada”. “Vi bossa ali antes daquilo ficar enorme.” Ela já se mudara para São Paulo quando nomes como Elis Regina, Sergio Mendes e Baden Powell fizeram do beco um pólo de música sofisticada no país.
 
Copacabana

 
Ainda mora na capital paulista e faz apresentações eventuais por todo o país. “Eu nem sei por que eu faço. É uma coisa que vem, assim, espontânea. Vou lá e faço o que tem que fazer”. Nas gravações, é raro fazer um segundo “take”. Gosta que as músicas se resolvam de primeira. E foge de problemas. 
 
Como na vez que, por ser negra, foi instruída a usar a entrada de serviço do Copacabana Palace quando ia se apresentar lá, na década de 1960. Decidiu que acataria até um amigo intervir e obrigar o hotel a receber a estrela pela porta da frente. 
 
Os amigos ainda estão ao redor. A sala em que se reúnem admiradores da cantora, entre eles um antiquário carioca e um jornalista que começou sua biografia e desistiu do livro, mas não da proximidade, alguém brinca que devem começar a bolar a festa de 90 anos desde já. 
 
“Não desejem 90 para mim! Já estou bem com 80”, diz Alaíde, com uma voz que gosta de ficar nua, mas não para chamar a atenção.

Fonte: Ilustrada / Chico Felitti.

 

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