Castelinho, com fama de mal assombrado, reabre e será sede de ONG que atende moradores de rua. Conheça a história

Os recursos vieram do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos (FID), da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania: R$ 2,8 milhões para recuperar o histórico imóvel, tombado pelo Conpresp, o órgão municipal de proteção ao patrimônio.

Agora, a construção residencial inspirada em castelos medievais franceses terá novos usos. A ONG deve usar cômodos para sua parte administrativa (escritório e sala de reuniões). E a cozinha deve se tornar um verdadeiro laboratório gastronômico – há planos de ensinar estudantes de escolas públicas a manusear alimentos orgânicos ali.

A história do crime 

No dia 23 de julho de 1988 faleceu Maria Cândida Cunha Bueno, a dona Baby, última pessoa a falar abertamente sobre o fatídico acontecimento ocorrido na Rua Apa nº 236, esquina com a Avenida São João, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, local onde ainda hoje está localizado o famoso Castelo da Rua Apa.

Dias antes de sua partida ainda era possível vê-la, mesmo já com 97 anos, homenageando a memória do seu namorado, Álvaro, que para a polícia foi o autor do crime ocorrido naquele local, em 12 de maio de 1937, batizado pela imprensa como “O Crime do Castelinho da Rua Apa”.  

Mas a primeira pessoa a tomar ciência do crime foi Elza Lengfelder, cozinheira da rica família dona do castelinho, que morava em um anexo da residência junto com seu marido Rodolpho e outra empregada, de nome Maria Aparecida Martins (que não se encontravam no local na fatídica noite). Elza, ao ouvir tiros no interior da grandiosa residência, saiu às ruas para chamar um policial. Este, ao entrar no castelinho, viu os corpos dos irmãos Álvaro e Armando, e da mãe, Maria Cândida estendidos entre o escritório e a sala.   

Por serem pessoas muito importantes na cidade, no dia seguinte o caso ganhava as manchetes dos jornais, já sob o título pelo qual ainda hoje é conhecido.  

Mas quem eram essas pessoas cuja morte atraiu tanto a atenção da imprensa?

Álvaro, de 45 anos, era advogado e esportista e vivia cercado sempre de belas mulheres, o que hoje costumamos chamar de “playboy”. Já com um perfil mais discreto o irmão, Armando César dos Reis, também advogado, tinha 43 anos.  

Maria Cândida Guimarães dos Reis, então com 73 anos, era uma senhora dedicada à prática religiosa e viúva do médico Virgílio César dos Reis, que faleceu em 1934, três anos antes do crime, ao contrário do que se publica por aí.  

Após uma viagem feita à Europa, Álvaro estava empolgado com alguns novos e arriscados projetos, com os quais o irmão Armando não concordava e o assunto provocara o desentendimento entre eles, que segundo a polícia, culminou com o famoso crime.  

O curioso é que nenhum dos irmãos morava no castelinho, ali funcionava apenas o escritório de advocacia da família e, na noite do crime, Álvaro estava na casa de sua namorada, dona Baby. Ele fora até o local após receber um telefonema informando que havia um problema que tinha que ser solucionado urgentemente. O autor desse telefonema permanece um mistério até hoje.

Ali Álvaro encontraria a morte. Perto dos corpos, dispostos paralelamente, inclusive com Armando de olhos abertos, foi encontrada uma pistola alemã Mauser, calibre 9mm, registrada em nome de Álvaro, o que só veio a reforçar a hipótese da polícia.  

O curioso é que nenhum dos irmãos morava no castelinho, ali funcionava apenas o escritório de advocacia da família. Foto: Acervo familiar.

Havia, entretanto, circunstâncias que atrapalhavam a tese das autoridades: Álvaro fora morto com dois tiros, fato bastante incomum em casos de suicídio, e mais, o calibre das balas encontradas nos corpos eram diferentes, sendo que a segunda arma, uma Magnum Parabellum, jamais foi encontrada.  

Com as investigações posteriores foram descobertas promissórias assinadas por Álvaro que o deixariam em situação financeira bastante delicada, mais um fato que levou a polícia, após um ano, a dar por concluído o caso, apontando-o definitivamente como o autor dos disparos.  

Descobriu-se, ainda posteriormente, que tais promissórias haviam sido adulteradas pelos credores, que lhes teriam acrescentado um zero para aumentar-lhes o valor, mas misteriosamente esses “sócios” de Álvaro jamais foram identificados.  

Os institutos que periciavam o caso tinham grandes divergências quanto às conclusões apresentadas, ainda quando se deu o arquivamento do caso, de forma que o que realmente aconteceu naquela noite no Castelinho da Rua Apa permanece como sendo um mistério até hoje.  

No intuito de preservar a imagem de Álvaro, amigos encarregaram-se de apresentar uma versão mais amena para os fatos: a de que ele apenas empunhara a arma, talvez, sem mesmo pretender usá-la contra Armando e que a mãe, apavorada, ao tentar separar os filhos, fizera-o acionar o gatilho, provocando também sua própria morte. Diante da acontecido Álvaro não teria cogitado outra alternativa, senão o suicídio.   

Para dona Baby, nenhuma das duas hipóteses eram verdadeiras. Ela tinha certeza de que Armando era o verdadeiro vilão da história e morreu defendendo a inocência do seu amado Álvaro.

Maria Cândida dos Reis (a primeira à esquerda), o pai (ao volante do automóvel), Armando (sem camisa, sentado no estribo do carro) e, ao lado dele, Álvaro (com trajes de banho e encostado no pára-lama). Foto: Arquivo familiar.

O castelinho começou a ser construído por arquitetos franceses em 1912 a pedido do Sr. Virgílio e ficou pronto em 1917 sendo um presente do marido à esposa, Sra. Maria Cândida.  

Até a data do terrível acontecimento a vida no local era normal, no entanto, após o ocorrido, várias pessoas passaram a relatar que ele apresentava fenômenos inexplicáveis.  

Um ano após o crime e o caso ser dado por encerrado foi realizado um leilão de todos os móveis da casa e a construção ficou para o Departamento do Patrimônio da União até 1951, quando a Receita Federal o ocupou, visto que na época parentes colaterais, como sobrinhos e primos, não tinham direito de receber heranças.  

Chegando à década de oitenta o castelinho ficou abandonado, transformando-se em um depósito de sucatas e ferro velho. Jornais de 1988 anunciavam o abandono do local e o filme “Fogo e Paixão” com Fernanda Montenegro, foi o último “momento de glória” da edificação.  

Maria Eulina dos Reis, na época uma moradora de rua e sonhadora, dizia: “Um dia esse castelinho vai ser meu” e vendo todo aquele prédio sendo destruído pelo tempo e esquecido pelas autoridades, começou a lutar pelo imóvel.  

Capa do livro “Sombras do Castelo“ de Oscar Mendes Filho.

No ano de 1990 ela decidiu entrar com processo de tombamento e pedido de restauração e em 1997 conseguiu o que tanto sonhava. O prédio continuava pertencendo à União, mas foi cedido a ela para que utilizasse o espaço, concretizando o seu sonho de ajudar moradores de rua continuar lutando para a reforma do seu tão sonhado castelo. Apenas em 2004 o castelinho foi tombado, mas pelas péssimas condições em que ele estava, foi comprado um imóvel ao lado do castelinho para que Maria Eulina pudesse dar vida ao seu projeto: o “Clube de Mães do Brasil”, que conta com a ajuda de empresas voluntárias.  

Desde o fatídico episódio todos os que se atreveram a passar a noite no castelinho relataram ter presenciado fenômenos assustadores.   

De qualquer forma o castelinho ainda resiste, entregue aos seus fantasmas e às suas lembranças, guardando em seu interior os mistérios que fazem dele um dos lugares mais assombrados da cidade de São Paulo. 

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Com informações de Edison Veiga em seu blog Paulistices e Oscar Mendes Filho no blog BDI.

 

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