Como trazer as crianças de volta para as ruas da cidade? Freiburg, na Alemanha, tem a receita

Tendo em vista que a urbanização é um processo crescente no país e no mundo, é necessário refletir sobre o modo de vida que estamos adotando nas cidades e como as cidades estão acolhendo suas crianças e as novas gerações.

Os efeitos da urbanização, entre eles o distanciamento da natureza, a falta de segurança em espaços públicos e as ruas planejadas para priorizar o tráfego de carros, induzem a uma vida mais sedentária e confinada em ambientes fechados e isolados. Quase não se vê as crianças brincando nas ruas, frequentando parques e praças durante a sua rotina semanal.

A invisibilidade das crianças nos espaços públicos das cidades revela uma sociedade que prioriza o interesse dos adultos, com pouca visibilidade para os direitos das crianças. O ditado já nos diz que, o que os olhos não veem, o coração não sente. Talvez, se as crianças estivessem mais visíveis nas ruas, os adultos se lembrassem como é importante brincar nas ruas e tenderiam a modificar suas atitudes em relação ao lugar das crianças na cidade.

Mas, se a gente perguntar para as crianças onde é o lugar delas, é natural que as respostas remetam ao lado de fora. No vídeo Lugar de Criança, lançado recentemente pelo Canal de Comunicação FavelaNews, em Recife, perguntaram às crianças onde é seu lugar e elas responderam que é na rua, na praia, no parquinho… As crianças nos mostram como o convívio com a natureza, ao ar livre lhes traz saúde e bem-estar, e nos dão sinais de que precisamos repensar os espaços de brincar na cidade e a forma como elas os habitam.

A cidade de Freiburg, na Alemanha, é uma referência de cidade amigável às crianças, reconhecida mundialmente por seu planejamento sustentável, que integra a natureza ao espaço urbano. Recentemente, o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, mobilizou uma delegação brasileira para visitar Freiburg por uma semana, para conhecer os aspectos que oferecem boa qualidade de vida às crianças e contato diário com a natureza.

Ao perceber que as crianças não frequentavam mais as ruas, que a rotina infantil estava organizada principalmente em espaços internos e que seus tempos de lazer eram preenchidos com eletrônicos, a prefeitura de Freiburg resolveu agir para trazer as crianças de volta para a cidade. Nos anos 90, encomendou ao Instituto de Ciência Social Aplicada (FIFAs), da universidade local, uma pesquisa para identificar os espaços de ação das crianças no ambiente urbano, as distâncias percorridas de casa até um local para brincar e a qualidade desses ambientes.

O bairro de Vauban, modelo de distrito residencial sustentável. Foto: Laura LealOs pesquisadores saíram então à procura das “pegadas do brincar” pela cidade, e o resultado mostrou que o modo como se vive a infância tem um efeito espacial sobre a cidade. Estabeleceu-se um olhar não apenas para os lugares especificamente construídos para as crianças, como parquinhos, mas para toda a geografia do brincar percorrida por elas. Pontos de ônibus, terrenos baldios e os diferentes trajetos percorridos pelas ruas devem também tornar os espaços mais atrativos para as crianças e permitir sua interação com a natureza.

“A gente não precisa só de parques, precisa de uma cidade inteira para brincar.” diz Udo Lange, diretor da Bagage, uma oficina de ideias pedagógicas que planeja e constrói espaços para o brincar livre em Freiburg.

Entende-se que a cidade é, também, um lugar de aventura e que, além de garantir oportunidades de interação, os lugares não podem ser monótonos. Devem ter segurança, mas sem eliminar os riscos, pois entende-se que o risco é benéfico para o desenvolvimento sadio das crianças.

As crianças são os grandes elos que conectam as famílias que frequentam o espaço. Foto: Laura Leal.Ao contrário das medidas de segurança que adotamos no Brasil, que tendem ao emparedamento, Freiburg entende que o melhor antídoto para a violência urbana é manter a cidade viva, com espaços públicos ocupados. A presença humana substitui o sistema de monitoramento e vigilância e, dessa forma, aumenta a sensação de segurança. As crianças vivem mais presentes nos espaços públicos, brincam nas ruas, praças e parques, se locomovem em bicicletas, relacionam-se com a natureza no dia a dia e são consideradas no planejamento da cidade.

O retorno das crianças para as ruas da cidade foi possível com medidas de baixo custo, tecnicamente fáceis de implementar. Ruas designadas ao brincar, redução da velocidade dos veículos para 30km/h, prioridade para o uso de bicicletas, valorização dos rios e uso das áreas verdes para ações educativas.

A horta coletiva foi idealizada pelo proprietário do terreno que cedeu o espaço para que qualquer pessoa pudesse contribuir e desfrutar dos alimentos plantados. Foto: Laura Leal.Freiburg é um bom exemplo de como o planejamento urbano pode ajudar a restaurar e expor a natureza urbana de forma que todas as crianças tenham lugares atraentes, acessíveis, públicos e ao ar livre para viver e brincar.

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Laís Fleury é diretora do projeto “Criança e Natureza”, do Instituto Alana, fundadora da Associação Vaga Lume e empreendedora social reconhecida pela Ashoka Empreendedores Sociais. *Artigo publicado originalmente no Conexão Planeta.

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