Como uma padaria caseira virou um negócio de baixo risco

Beth Viveiros, 38, criou uma padaria com a cara dos novos tempos: pão artesanal de alta qualidade, estratégia de marketing digital e serviço com foco em solução para o cliente. Seus pães e bolos são frescos, feitos em fornadas planejadas apenas uma vez por semana. Muito diferente do serviço da padaria da esquina, que usa massa de pão congelada e pré-pronta, um pão de baixa qualidade que não chega crocante nem até o fim do dia.

A cada segunda-feira a padeira escolhe as receitas que vai assar e lança um post sobre as fornadas da Beth Bakery no Facebook (onde a página da padaria é avaliada com 5 estrelas) e no Instagram. Com um sistema de e-commerce simples, os pedidos de reserva começam a chegar no mesmo dia. Não raro, a venda é total, e os produtos estão esgotados antes de irem para o forno.

Às quartas e quintas-feiras, ela assa bolos, biscoitos e cookies. Na madrugada, começam as fornadas do pão salgado de fermentação natural, que já está em pré-fermentação há muitas horas. Toda a produção é embalada com carinho e, nas primeiras horas da sexta-feira, começa a ser distribuída por motoqueiros para a casa dos clientes no centro expandido de São Paulo.

A micropadaria assa uma média de 90 pães, 50 bolos e 350 biscoitos por semana, com preço médio de 12 reais por pão. A produção pequena permite que Beth cuide pessoalmente de todo o processo, além de fazer o relacionamento com clientes, sem perder o fim de semana ou o lucro.

Um negócio pequeno, artesanal, único 

Mas a padaria nasceu “micro” por força da necessidade. O investimento inicial foi de apenas 10 mil reais, gastos em equipamentos: uma masseira de 12 litros, uma batedeira de 6 litros e um forno com duas câmaras. A mágica acontece na cozinha do do apartamento de Beth, no bairro da Aclimação, na capital paulista.

A opção irredutível por um processo artesanal e, em alguns casos, pela fermentação natural também ajudou a determinar o modelo de negócio de Beth: “Não uso fermentos industriais, melhoradores de farinhas, conservantes, essências ou outros aditivos”

Nos pães salgados, quando opta pela fermentação natural, a padeira tem que administrar processos de fermentação que podem levar 24 ou 36 horas. Tanto trabalho resulta em um pão de sabor mais rico, e que dura pelo menos uma semana com frescor.

Como a produção é pequena e planejada, permite o uso de ingredientes de alta qualidade: farinha integral, ovos orgânicos, frutas e legumes de época. Ela também descarta usar derivados de milho e soja (um espessante natural importante para padarias) para evitar o contato com ingredientes transgênicos.

Há outras padeiras caseiras trabalhando na cidade. Algumas delas são formadas em escolas internacionais e têm experiência em fornos trendy de cidades como São Francisco e Paris. Os pães são espetaculares e as fornadas são vendidas em lista de e-mails com sabor de exclusividade. São produções delicadas, para poucos, e a oferta esgota-se em horas. Pode até ser frustrante passar semanas tentando comprar um pão. A Beth Bakery tem um posicionamento diferente: sua operação de e-commerce e marketing digital é tão charmosa e eficiente quanto a oferta de pães artesanais.

A tecnologia como aliada da simplicidade 

Beth aliou sua produção de alta qualidade a dois serviços que encantam o paulistano: o delivery e a assinatura. Depois de testar entregas de carro e bicicleta, fechou com uma empresa de motoqueiros e cobra taxa de entrega de 10 reais. Já as assinaturas são uma forma de facilitar o pedido e oferecer um desconto: quem preferir pode fazer de uma vez só a compra das próximas quatro semanas (os sabores dos pães ficam de surpresa).

A tecnologia é o ingrediente final da receita do negócio da Beth Bakery. Com a produção pequena e uma janela de venda justinha, de três dias, Beth usa as redes sociais como vitrine. Além de contar, a cada segunda-feira, quais serão as fornadas programadas, Beth investe 25 reais por fornada com anúncios no Facebook, cerca de 120 reais no mês. Ela cruza os dados que coleta dos clientes na loja virtual com o serviço do Facebook e mostra o anúncio com as fornadas da semana para gente que já comprou na bakery. “Uso esse recurso para lembrar clientes que tem fornada nova saindo”, conta. Atualmente, 40% do tráfego do site vem do Facebook, entre links orgânicos e anúncios. “As compras efetivamente concluídas a partir dos anúncios do Facebook correspondem a 12%, sendo que a maior parte ainda vem direto ou pelo e-mail semanal”, afirma. Beth chamou a atenção do Facebook for business, que usou a sua história como um case de sucesso no uso da plataforma feito por pequenos negócios no Brasil.

As fornadas são vendidas apenas pelo site. Nada de telefone ou emails. O sistema usado para o carrinho de compras é da empresa carioca XTech. “Escolhi esta empresa porque eles também são pequenos e podem me dar um atendimento rápido como preciso”, conta Beth. Como forma de pagamento, a bakery aceita Paypal, PagSeguro e até depósitos nos bancos Itaú e Bradesco. Mas não aceita pagamento em dinheiro, cheque ou em Bitcoins.

Beth formou-se em panificação com Rogério Shimura, o mais importante professor de padeiros da cidade, no início de 2014. “Eu não sou chef!”, enfatiza. Fez estágio na empresa de Shimura e aprendeu ali como se faz a produção em larga escala. “A operação dele é para atender restaurantes, saem caminhões de pães com entregas todos os dias”, conta. Só para uma hamburgueria famosa, em Pinheiros, são 300 pães de hambúrguer todos os dias, um volume que não atrai a empreendedora: “Não me vejo em um negócio deste tamanho. Não quero me afastar da cozinha artesanal nem do comando no negócio inteiro. Prefiro ter uma padaria pequena”

Antes de começar a padaria artesanal, Beth tinha uma carreira em uma empresa de engenharia. Seu último job foi montar e atender a estrutura de facilities do escritório do Google em São Paulo. “Sempre tive emprego coxinha”, conta Beth. Filha de uma família classe média, ela diz que quase não teve escolha na profissão. Passou da escola técnica (em secretariado) para uma faculdade de engenharia (que nunca terminou), e logo começou a trabalhar na empresa de engenharia onde passaria 13 anos.

Foi justamente a experiência com os processos da engenharia que capacitaram Beth para encarar a vida de empreendedora. “Quando pedi demissão, eu precisava respirar, fazer as coisas que não tinha feito com 20 anos, passear com o cachorro e tomar sol de tarde”, diz ela. “Não tinha planos; mas não dá pra dizer que foi uma decisão sem pensar.” Poucos meses depois de se desligar do mundo da engenharia, Beth já estava na escola de Shimura. Montou a Beth Bakery enquanto ainda estava fazendo aulas, e vendia as fornadas para os amigos.

Os pães vieram com a nova vida  

Sua inspiração vem de pequenas boulangeries na França, no Canadá e na Argentina. “No Brasil, a profissão do padeiro não é valorizada”, diz. “Mas nestes países, os jovens profissionais da panificação estão voltando para cidades pequenas onde podem fazer a diferença na comunidade com seu trabalho, ou abrindo negócios pequenos com uma relação intensa com a comunidade dos bairros em que escolhem ficar.” Muitos deles, nativos digitais, usam as redes para mostrar a produção e deixar o cliente com água na boca. “Decidi apostar na padaria artesanal depois de ver o vídeo dos canadenses da Polestar Hearth“, conta Beth, que também se inspira na americana Barrio Bread e nas argentinas Cocu e L’épi.

A fornada dessa semana já saiu!

Os rapazes da Polestar Hearth baseiam seu negócio em valores como a força na rede de consumidores, lição que Beth procura adotar. Dizem no site: “Por que adotar um plano de assinatura de pães, o breadshare? Porque empreendimentos apoiados pela comunidade permitem que padeiros artesanais e agricultores operem de maneira sustentável, em um mix de habilidades tradicionais e inovadoras, com baixo custo, ferramentas simples e uma rede comunitária que sustentam o negócio fisicamente e espiritualmente”.

Beth acaba de fechar o aluguel de sua cozinha de produção. Ainda não sabe se vai continuar com portas fechadas ou se vai abrir em alguma hora do dia para atender também a vizinhança. Não quer ignorar as oportunidades apenas porque criou um modelo de negócios de sucesso com base em um marketing digital e muita conexão com seu público. Por ora, pretende abrir a portinha discretamente, para oferecer seu pão aos vizinhos do bairro.

Para quem não mora na Aclimação, o endereço continua o mesmo: a internet.

***
Giuliana Tatini no Projeto Draft. 

 

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