– É mudar da água para vinho.
– Dá pra imaginar. Primeiro mundo, né? Tudo funciona, saúde, economia, segurança, educação…
E antes que a conversa descambe para o discurso fla-flu que tanto tem ocupado as redes sociais, já vou logo dizendo que minha mudança da água para o vinho aqui em Portugal não é mera força de expressão e nem traz mensagens políticas embutidas. É que realmente nunca tomei tanto vinho na minha vida (sem exageros, vale frisar). Pode não ter água na mesa, mas sempre há espaço para uma tacinha do tinto, do branco, do rosê…
Mas se o tema aqui não passa pelas discussões políticas do Brasil, vale lembrar que o vinho também gera debates calorosos e tem defensores ferrenhos de determinadas regiões, tipos de uva e coisas do gênero. Nesse campo, me classifico como um bebedor quase ignorante, apesar de gostar de uma tacinha e sempre lembrar de ótimos momentos da vida em que o vinho teve papel fundamental. Aliás, minha memória afetiva ligada ao vinho é da época em que eu passava ainda bem longe de experimentar a bebida. Novinho, na época em que morava no Rio de Janeiro, lembro bem das garrafas bem características de Casal Garcia, com os rótulos “rendados” que ainda hoje destacam a marca. Era comum, na mesa dos meus avós, lá pela década de 1970, ter o tradicional vinho verde acompanhando as refeições.
De lá para cá, claro, aprendi a ir além do apelo do rótulo e passei a me encantar com o conteúdo. E foram de todos os tipos, em épocas diferentes da vida e, principalmente, com orçamentos igualmente variados. Do garrafão ao vinho “chapinha” (quem nunca, não é?), das garrafas azuis e marrons daqueles alemães doces que infestavam os casamentos até alguns bons bordeaux. Foram também muitos argentinos, muitos chilenos. Mas os portugueses, apesar de terem sido a minha primeira referência de vinho, demoraram mais a entrar na minha vida de apreciador. De uns anos para cá, porém, passaram a ocupar um lugar de destaque nas minhas preferências. Um pequeno mercado ao lado de onde morava no Brasil, e que tinha um português à frente dos negócios, era a minha pequena fonte. Sempre com rótulos portugueses e um preço bem honesto. Acho que a vida já ia me preparando para essa recente experiência de viver na terrinha, o que, poucos anos atrás, eu jamais diria que fosse acontecer. A vida tem dessas coisas e, como já diziam os romanos, In Vino Veritas.
E por falar em verdade, aqui dá para dizer que as pessoas bebem de verdade: dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) mostram que os portugueses foram os que mais beberam vinho no mundo em 2017. São 51 litros por pessoa por ano, ou seja, mais do que uma tacinha por dia. Nossos vizinhos espanhóis bebem a metade, 25 litros por pessoa por ano. Ainda segundo a OIV, o consumo global de vinho em 2017 foi de 243 milhões de hectolitros (1 hectolitro equivale a 100 litros), um milhão a mais do que em 2016. Considerando o tamanho da população, os Estados Unidos lideram o ranking geral de consumo por país, com 32,6 milhões de hectolitros, seguido pela França (27 milhões), Itália (22,6 milhões) e Alemanha (20,2 milhões). Portugal, apesar de liderar o consumo per capta, aparece com 4,5 milhões de hectolitros em 2017
E como Portugal produz mais do que é consumido no mercado interno, a exportação é uma via bastante importante. O Brasil, aliás, tem um papel de destaque nesse setor (o mercadinho ao lado de onde eu morava é só uma pecinha nessa engrenagem da venda de vinhos portugueses no Brasil). As exportações portuguesas de vinho cresceram 7,5% em 2017 e muito se deve ao crescimento do mercado no Brasil (+53% em comparação com 2016) e Angola (+40%). De acordo com outra entidade importante nesse segmento, a Comissão de Viticultura dos Vinhos Verdes, 2017 também foi um ano muito positivo e as exportações cresceram dois dígitos em países como o Brasil.
Eu, apesar de ter aumentado muito o meu consumo de vinho, já não ajudo muito a impulsionar o mercado externo (ou ao menos o mercadinho do meu antigo vizinho). Por outro lado, minha relação com os vinhos portugueses nunca foi tão prazerosa. Continuo sem ser um especialista, mas ainda acho lindo o rótulo rendado do Casal Garcia (e agora já posso ir além de apreciar o rótulo), sigo experimentando tintos, brancos e verdes do Douro, Alentejo, Dão e quase não há jantar sem uma tacinha. E uma história curiosa para encerrar: logo que cheguei por aqui fui fuçando o mercado em busca de oportunidades de trabalho e novas experiências. E acabei sendo chamado para fazer figuração em dois pequenos filmes de uma campanha muito bacana de uma marca igualmente importante e que admiro muito. Mais eu não conto ainda, pois vira spoiler e estraga a comunicação da marca. Logo aparecerei nos filmetes fazendo um brinde a esta nova etapa da vida e da marca. In Vino Veritas. Saúde (e vamos beber com responsabilidade!)
***
Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.