John Kenneth Galbraith mostra porque você está sofrendo

Por onde você passa, ouve queixas, lamúrias, reclamações. Então você conclui apressadamente que o povo está infeliz. Ou, pelo menos, intranquilo. Ou será que o povo anda feliz e tranquilo e você é que anda desesperado? 

Gostaria de lembrar aqui o que me disse certa vez o falecido Galbraith, aquele amigo do Paulo Henrique Amorim (creio que foram sócios em alguns empreendimentos) a respeito das aflições humanas provocadas por razões econômicas.

Eu estava saindo de um supermercado onde acabara de comprar quatro maçãs verdes por 160 cruzados (era a moeda da época). Na porta, vislumbrei o Galbraith que tentava abrir uma Paraty 82 em precário estado de conservação. O grande economista deve ter sido do tipo de homem que lida mal com chaves e mulheres. Notei que o Gal estava mais magro e cada vez mais parecido com seus avós canadenses. Balbuciei um oi e ele foi logo perguntando quanto eu pagara pelas maçãs. Curiosidade típica de economistas. Respondi e ele então explicou: 

Galbraith: No mundo real, a restrição monetária não impede aqueles que conseguiram controlar seus preços de elevar seus preços e seus rendimentos.

Tão: Quer dizer que apenas esfriar a economia não adianta? 
Galb: Não…Eles só param quando houver muito desemprego. Enquanto isso a coisa funciona de um modo bastante punitivo para aqueles que continuam sujeitos ao mercado.
 
Tão: Mas existe aí um componente perverso…
Galb: (me interrompendo): Você tem visto o Delfim?
 
Tão: Pouco. Há dias fui ao escritório dele e encontrei o professor mergulhado na leitura de um texto de pós-graduação do Mailson. 
Galb: Isso é bom. Se o povo não se esforçar para entender economia estará evidentemente entregando o poder àqueles que entendem, ou fingem que entendem. 

Tão: Mas você vê, Gal, Delfim ali, humilde, lendo um trabalho do Mailson…

Galb: Faz parte da antiga tradição hebraica que os filhos de Israel nasceram para sofrer…e emendou em seguida. Você, mesmo não sendo filho de Israel está enquadrado numa ampla política de rendas e preços. Daí suas dores e padecimentos.

Tão: O Paulo Henrique Amorim também está enquadrado nessa política ampla? 

Galb: Claro que está. Eu também estou, mon cher. Ninguém escapa. Eu poderia sobreviver com menos. Todos nós poderíamos sobreviver com menos. Eu digo nós. nós, entendeu?  
 
Tão: Mas Gal, você acha que as pessoas aceitariam viver com menos? Não haveria uma gritaria generalizada? Protestos? 
Gal: Sim, e muito. Mas você deve se lembrar que a tranquilidade social, em todos os tempos e em todos os países, sempre é promovida pelos gritos de angustia dos que estão bem de vida. Eles tem uma percepção bem mais profunda de injustiça do que os pobres, e uma capacidade muito maior de indignação. São os que estão bem que berram. Quando os pobres ouvem os berros dos ricos imaginam que os bem afortunados estão realmente sofrendo. Então os pobres ficam contentes com o próprio destino. Simples, não? 

Tão: Simples, mas meio sacana…

Gal: A boa política sempre exigiu o consolo dos aflitos, mas sempre exige a aflição dos tranquilos.
Tão: O problema é que agora parece que está todo mundo aflito. Os tranquilos estão aflitos e os não tranquilos também estão aflitos. Como é que fica? 
Gal (mudando de assunto): Você tem visto o Delfim?
 
Tão Gomes Pinto é jornalista e escritor. Atuou nos principais veículos da imprensa. Atualmente é Ouvidor-Adjunto na Empresa Brasil de Comunicação – EBC.
 
*John Kenneth Galbraith (Ontário, 15 de outubro de 1908 – Cambridge, 29 de abril de 2006) foi um economistafilósofo e escritor, conhecido por suas posições keynesianas.
**As frases “em resposta” ao Tão foram tiradas de vários livros dele.
 

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