Lugares favoritos

Às vezes acho que lugares favoritos mudam de lugar enquanto a gente conhece mais as cidades por onde passamos. E, conforme a gente vai crescendo, vivendo, aprendendo e acumulando experiências, esses lugares também mudam de lugar e prioridade na nossa listinha mental.

Outra coisa curiosa que acontece é guardar o lugar favorito não como localização geográfica, mas como um lugar da sua vida. Um sentimento claro na sua timeline real. Uma vez, eu estava em Sorocaba, num hotel fazenda com a família e eu tinha 14 ou 15 anos. O hotel ficava num mirante e dava para ver os pastos  até perder a vista. Era dia e eu estava terminando de ler 100 anos de solidão (eu li esse livro 9 vezes, essa deve ter sido a 3ª ou 4ª leitura) e fui para a varanda curtir a vista. Um vento bem forte e constante começou a soprar e, pela primeira vez na minha vida, eu vi a chuva chegar.

Com clareza, em uma nuvem grande e volumosa. Eu vi a sombra crescer no campo e o vento chegar antes da água. As primeiras gotículas refrescaram o ar e a gotas gordas chegaram com o vento. Foi deslumbrante. E não é sobre Sorocaba. É sobre testemunhar algo grande, mas tão normal que a gente mal presta atenção. Desde então, eu amo chuva. Acho uma viagem ver a água cair do céu. Sério (por favor, não me chama de hippie ou de Pollyana).

Nas minhas caixinhas de arquivos mentais, essa lembrança fica em lugares favoritos e também na pastinha de momentos favoritos. É interessante pensar em como faz isso diferença nas suas lembranças. Como lugar e como tempo.

Meu lugar predileto em São Paulo é uma localização. Não um tempo.

Eu desvio meu caminho para passar por ali, estaciono o carro nas ruas vizinhas para fumar um cigarro na ponte, pulo a grade às vezes para chegar mais perto e dar a volta por dentro do canteiro, sempre vou sozinha e ainda quero morar no prédio do lado. Sei exatamente qual o andar e a janela. Se você anda pela R. São José do Pinhal, paralela à Av. Paulista, em algum momento vai encontrar uma intersecção que passa por cima da Av. 9 de Julho. Antes de chegar ao topo do viaduto, a vista é grande, cheia de prédios e muros grafitados. Você está no nível do viaduto, mas à esquerda está o MASP e a Paulista, acima está a rua e as escadas de acesso e, abaixo, está a Av. 9 de Julho e o túnel. A vista para o sentido bairro é linda também, mas o que eu mais gosto está no chão. Tem um grande jardim abandonado com um chafariz monumental, dos dois lados da avenida, com canteiros e um mosaico paisagista bem na entrada do túnel. Eu chamava ele de jardim secreto da 9 de julho. Secreto porque ninguém falava dele, só eu. E SP (e outras cidades) tem esse hábito de negligenciar os lugares óbvios e belos da cidade.

Recentemente eu descobri o nome desse lugar, ou pelo menos da galeria que fica acima do nível do viaduto. Se chama Belvedere Trianon. Era um espaço cultural para eventos da elite paulistana (!!!!) no século XIX. Fora isso, eu descobri que esse espaço foi revitalizado e inaugurado no último fim de semana como “Mirante Nove de Julho” por um grupo de empresários culturais em parceria com a secretaria da prefeitura. Ainda não decidi se gostei ou não da notícia, mas decidi que esse é um dos melhores lugares da cidade para gostar de São Paulo. Não a galeria hipster, mas o jardim abandonado ali embaixo na avenida. E que eu ainda consiga fazer minhas visitas clandestinas ao Belvedere Trianon e manter o espaço favorito que ele tem na minha memória.

Lu Minami. Publicitária não-formada (porque pegou DP de educação física), uma generalista apaixonada por detalhes, exploradora de cidades e seus cantos secretos, leitora compulsiva e devoradora de séries. Ainda acredita no amor, mas diz que não. No We Love.

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