Além de ter trabalhado nas agências Massa Cinzenta, Novodesign, Maisdesign e Brandia Central, em Lisboa, Mário liderou, durante 12 anos, o Clube Criativos Portugal, período em que integrou também a Direção do Art Directors Club of Europe. Desde 2013, é sócio d’A EQUIPA – Branding e Comunicação.
Durante a conversa, mediada por Mauricio Machado, fundador do São Paulo São, Mário falou sobre sua trajetória e sobre a criação dos cases das marcas São Paulo São, Cascais e Gira de Lisboa, entre outras, voltadas para cidades e espaços urbanos.
O bate-papo contou com a presença de Wans Spiess, mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie, que atua no @projetocomoanda, no @cidadeapesp e hoje empreende o @calcadasp; com J. R. D’Elboux, professor do curso de Comunicação da FAAP, Diretor de Arte e Criação nas agências Y&R, Africa, Leo Burnett, Publicis e DPZ, e curador do perfil @tipospaulistanos no Instagram e Facebook; e com Chantal Brissac, jornalista e publicitária, fundadora do @Procoletivo e parceira da iniciativa (aqui!).
A força do “zeitgeist”
Mário criou a marca São Paulo São, segundo ele, um grande desafio, já que não morava em São Paulo e “revisitou” a cidade de longe, vivendo em Lisboa. “Quis fugir do mais óbvio que São Paulo tem e mostrar que não se trata de uma cidade simples, que significa apenas uma coisa. São Paulo não é, São Paulo são”, frisa Mário, mostrando como nasceu o nome e o logo que explicitam tantas boas mensagens: além do sentido da pluralidade e da diversidade, há a mensagem de saúde, qualidade e valor cultural.
Outra cidade na qual ele mergulhou de cabeça foi Cascais. A apenas 25 km da capital portuguesa, Cascais reúne história, belas praias e ótima gastronomia. Mário contou que a marca demorou nove meses para ser concebida e que sua metodologia de trabalho é um processo complexo, que começa com o diagnóstico. “Não é possível criar nada sem conhecer o objeto que será pensado. Quisemos falar com muitas pessoas para saber o que elas percebiam, o que sentiam, e esse processo de conhecimento interno é muito importante, é uma busca da razão de ser e por que criar a marca”, explica.
Para Mário, o chamado “zeitgeist”, palavra de origem alemã que significa “espírito da época” – ou seja, o conjunto de elementos que formam o clima cultural e intelectual em um determinado período da história –, faz parte desse criativo processo, mas a verdade da marca é o que mais conta. “Ela tem que refletir a realidade, a realidade tem que se alinhar com a percepção, com as expectativas. Uma marca não faz milagres”, ele observa. “Se uma cidade pretende estimular a circulação de pedestres, por exemplo, não é com uma marca que se faz isso; primeiro ela precisa criar as boas condições para a caminhabilidade, deve transmitir os valores daquilo que representa”.
Perguntado, por J. R. D’Elboux, se o branding das cidades passa sempre pela esfera política, Mário responde que sim, que isso é inevitável. “Não há como fugir disso. Mas quanto mais forte e pertinente for a marca, mais difícil será que ela seja abandonada quando o poder político for renovado”. Wans quis saber se o símbolo da calçada criada por Mirthes Bernardes, poderia ser adotada como marca da cidade de São Paulo. Mário disse que a imagem tem belo significado mas não remete à cidade e sim ao Estado. Por conta disso, a associação não seria possível pois não traduziria o espírito da metrópole fielmente, apesar de ser uma imagem reconhecida.
Uma cidade para todos
Por isso mesmo, Mario Mandacaru acredita que uma cidade como São Paulo é bastante complexa nesse tipo de demanda, de criar uma marca para estimular o transporte a pé ou por bicicleta. “Nasci e cresci em São Paulo e andava de bicicleta na rua, mas não sei se hoje faria o mesmo, se os meus filhos e netos poderiam fazer isso. Hoje há um nível muito maior de insegurança urbana; naquela época era natural ir para a rua, ninguém precisava estimular. Atualmente as pessoas vão se for conveniente”. Lembrando do conceito do cientista franco-colombiano Carlos Moreno, criador da “Cidade de 15 Minutos”, que inspirou o São Conexões, Mário explica: “Se eu puder viver e caminhar no meu raio de 15 minutos é maravilhoso, mas não posso permitir que os meus 15 minutos sejam mais sofisticados do que os das pessoas que vivem em bairros periféricos. Não podemos criar clusters, temos que fazer com que todas as pessoas usufruam de forma positiva a cidade”.
Lisboa, nesse sentido, é uma metrópole mais fácil e inclusiva. “Apesar das sete colinas, ela é muito propícia às caminhadas. Eu mesmo, quando trabalhava em Lisboa (morou em Estoril e agora vive em Cascais), andava o tempo todo”. Já em São Paulo, ressalta o criativo, a configuração é complicada, com falhas no transporte coletivo e uma área absurdamente grande. Enquanto a capital portuguesa tem 100 km² de área, a cidade de São Paulo tem 1.521 km². “Nos últimos anos estive em São Paulo e tentei usar o ônibus, mas não consegui, porque não há comunicação sobre as rotas e nem facilidades para acessar esse meio de transporte”.
Confiança e autoestima
Mario comentou também sobre o movimento de revitalização de áreas abandonadas em Lisboa, e de toda a renovação cultural que tem tornado a capital portuguesa uma das metrópoles mais interessantes e modernas da Europa. Galpões de fábricas, antes esquecidos, passaram a ser ocupados por designers e artistas, ao mesmo tempo em que bairros deteriorados se reergueram com novas propostas. Um exemplo é o Parque das Nações, um antigo lixão completamente transformado. “Como ele, há vários outros exemplos. Na verdade, Portugal tem se situado bem no mapa nos últimos anos. O país tem um potencial gigante com a língua portuguesa, a gastronomia, a história e a cultura. Os próprios portugueses passaram a valorizar Portugal, ganharam uma autoestima que antes a gente via apenas nos espanhóis e nos italianos. E as marcas podem ajudar na sustentabilidade, aliás é muito produtivo quando acontece a parceria entre a iniciativa privada e o poder público”.
Houve uma invasão de turistas e até de tuc-tucs, ele pondera, mas há um grande esforço da população e da esfera pública em não deixar que matem as galinhas de ovos de ouro. “Vem sendo renovada uma área perto dos rios, onde estão instalando centros culturais e de coworking, há uma vontade de preservar, Portugal vai conseguir se manter. O que tem sido vendido é muito genuíno, não é nada fabricado. O turismo de Portugal tem feito um bom trabalho para preservar e valorizar o país”.
Lisboa é “gira”
No campo da mobilidade urbana, uma iniciativa que transformou Lisboa para melhor, deixando-a mais ágil, alegre, sustentável e silenciosa, foi a das bicicletas compartilhadas Gira, marca criada para a empresa pública Emel por Mário Mandacaru e seu time, na Equipa.
A Emel, que controla os parquímetros da capital portuguesa, era muito mal vista pela população por causa das multas – ela também é responsável pelos elevadores do Castelo de São Jorge. O desafio foi apresentar uma marca que pertencesse à cidade e envolvesse e inspirasse as pessoas. “Criamos um novo meio de transporte de Lisboa e isso funcionou, muita gente aderiu às bicicletas, foi um grande sucesso”. O público-alvo inicialmente era a geração millennial, mas eles chegaram à conclusão de que não se trata de uma geração, mas sim de um mindset. Hoje se vê em Lisboa gente de todas as idades pedalando nas bikes elétricas Gira, expressão portuguesa muito utilizada e que significa “legal”, “bonita”, “descolada”.
A marca tem uma tipografia especialíssima e um design muito bonito, e tudo foi pensado, segundo Mario, para arredondar o conceito pensado. “Até a cor, que tinha que ser verde! Porque verde é ambiental e ágil; é facilitadora, como no sinal de trânsito; é orientadora, uma vez que as ciclovias em Lisboa são verdes; é sistematizada, pois se trata de uma rede, uma teia de ciclovias; e é lisboeta, é alfacinha. Os lisboetas são conhecidos como alfacinhas, por isso só podia ser verde”, ri Mario, completando que a conversa do São Conexões foi como essa marca de bicicletas, muito “gira”. E ele tem toda razão!
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Por Chantal Brissac da Redação.