Náufragos em crise

Atravessamos 2015 como náufragos, chegamos a outubro como sobreviventes. Exaustos, viemos dar à praia com as roupas esfarrapadas, o corpo todo marcado pela inclemência da natureza. 
Neste ano sobrevivemos à inflação, ao desemprego, aos maiores juros da história, à interminável crise política, isso para não falar na violência, nas pequenas grandes tragédias (e o que é mais importante, sobrevivemos ao intenso bombardeios da mídia sobre  a inflação, o desemprego, a violência, etc…etc…).
 
A imprensa, modo geral, foi implacável conosco. O seu mau humor está quase no nível do mau humor profissional dos nossos humoristas . Nunca foi tão oportuna a frase do Fortuna (ou será do Millôr?): “Só dói quando eu rio”. Só que invertida: “Só rio quando dói”. 
 
Vítimas da crise, padecemos sofrimentos que fariam inveja a sadomasoquistas históricos como Fernão de Magalhães, Vasco da Gama (não o time, mas o navegador), Colombo, Bartolomeu Dias e tantos outros argonautas, para quem um naufrágio aqui, outro ali, eram rotina. Como eles, viramos o Cabo da Desesperança.
 
Carentes de vitamina C, fomos atacados pelo escorbuto apesar da publicidade recente do Targiflor C. Sofremos saques, transpiramos sobre o medo de um grande motim a bordo. Vivemos a cada momento o medo do mar tenebroso da recessão. 
 
Valeu a pena? Como dizia o mestre Fernando Pessoa (ou será a Florbela Espanca), tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Quem quer ir além do Bojador tem que passar além da dor. 
 
Náufragos, chegamos a esta praia ninguém sabe como, douramos nosso corpo ao sol deste pré-verão, tomamos algum álcool (de preferência Vodca Stolichnaya ou Johnnie Walker, rótulo preto), respondo assim o necessário equilíbrio de cereais no organismo debilitado. 
 
Depois, um pouco de sexo com aquela loira padrão avião que uma amiga trouxe à nossa horta, apesar do tempo seco. No final da tarde, dependendo das condições atmosféricas, poderemos inclusive voltar ao mar. 
 
Caravela? Caravela porra nenhuma. Liga pro Iate Club e manda o Cabral preparar o barco novo, aquele que eu comprei a semana passada e paguei meio milhão de dólares.
 
Eu quero conforto, cara, conforto!
 
Tão Gomes Pinto é jornalista e escritor. Atuou nos principais veículos da imprensa. 
 
 

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