O plano de ações estratégicas bairro a bairro

Por que “o velho” Plano Diretor, que conhecemos e “praticamos”, é uma ferramenta ultrapassada, abstrata?

Na verdade, o Plano Diretor, com suas normas gerais embasadas em grandes sistemas teóricos, aprisiona a dinâmica das cidades, a dinâmica da cidade real. Um exemplo manifesto disso é o zoneamento urbano modernista, ainda do início do século XX, que prega a divisão do solo urbano em zonas, cada qual responsável por uma atividade específica (habitação, comércio, serviços etc.), como numa linha de montagem industrial, desumanizando as relações.

O Plano Diretor é produto de uma época, o século XIX, fascinada por incipientes sistemas lógicos, inspirados e deslumbrados pela industrialização embrionária. A industrialização sempre foi associada a uma única referência para a ideia de progresso. A máquina era boa e funcionava como motor do progresso, logo a cidade tinha que ser pensada como uma máquina. Logo, o ser humano era obrigado a transformar-se em máquina, parte desta poderosa engrenagem (vide filme “Tempos Modernos”, 1936, de Chaplin).

Por isso as discussões que envolvem o Plano Diretor e suas leis complementares são intermináveis, incompreensíveis e improdutivas!

A cidade é um lugar multicultural em constantes movimentos que, se errados, podem inibir a autodeterminação de seus cidadãos.

O que seria uma reforma urbana contemporânea que nos tornasse mais urbanos e humanos?

Comecemos pelo bairro. Como definir o nosso bairro? Como pensar o nosso bairro?

O bairro está definido no Dicionário Aurélio “como cada uma das partes em que se costuma dividir uma cidade ou vila, para mais precisa orientação das pessoas e mais fácil controle administrativo dos serviços públicos”. Entretanto, nossa legislação não o define política e administrativamente, o que faz muita diferença, tanto em seu entendimento histórico, quanto em sua definição na organização da cidade.

Segundo estudos recentes, o bairro é a unidade de base da vida urbana, a essência da realidade urbana, um setor natural da vida social. É com base no bairro que se desenvolve a vida pública, que se organiza a representação popular. O bairro sempre tem um nome que lhe confere uma personalidade dentro da cidade. O morador refere-se ao seu bairro, quando quer situar-se na cidade e, por vezes, tem a impressão de ultrapassar um limite quando vai a outro bairro. É base da vida urbana que só pode ser pensada tendo-se em vista a cidade como totalidade. O bairro não existe como uma unidade isolada e autônoma. Para muitos a base principal da vida urbana é o centro. É a noção de centralidade que torna possível a cidade e seus bairros (por isso, a centralidade é o coração da cidade). O bairro também pode ser entendido como uma mediação importante entre o espaço privado (da casa, da família) e o público, entre a vida familiar e as relações societárias mais amplas, do compartilhamento de referenciais espaciais comuns, como o espaço do encontro, construído no nível da vida cotidiana.

Pode-se definir, com bastante exatidão, que os princípios fundamentais de um novo urbanismo permitem estruturar bairros completos com Índice de Desenvolvimento Urbano e Humano elevados, com uma sociedade reunida, solidária.

A distância de 5 minutos a pé do centro (“downtown”) para a maioria das habitações é fundamental, uma vez que a partir deste valor, a distância a ser percorrida se torna mais desconfortável fazendo com que as pessoas se sintam desestimuladas. Reforça-se assim esta dimensão estruturante, tornando os espaços e vias de pedestres mais aprazíveis.

O equilíbrio espacial (distâncias percorridas a pé) entre residência, emprego e comércio é essencial no novo urbanismo que podemos implantar. O novo bairro deverá oferecer, dentro dos seus limites, habitação diversificada (isolada, geminada, apartamentos) tanto na tipologia como no seu custo, onde todos possam habitar indiferentemente do seu estado ou estatuto social (permitindo residir jovens, idosos, famílias tradicionais, classe média, os mais pobres e os mais ricos). Devemos debater com muito diálogo e profundidade estas questões. Deve-se, pois, ao projetarmos e planejarmos um novo bairro, garantir essa diversidade que preencherá as necessidades mais comuns de cada um.

As tipologias construídas deverão ser variadas, tanto nos usos a que se destinam, como na volumetria, imagem etc. Esta diversidade da paisagem urbana não descaracteriza o bairro, pelo contrário, fornece-lhe caráter e uma imagem própria, que permite uma melhor leitura do espaço com pontos de referência facilmente identificáveis. É essencial para o bairro que o seu centro se destaque claramente, associado a uma praça, jardim ou até mesmo um cruzamento importante. O Centro não só deve conter os locais de emprego e de comércio, mas também os de habitação, de preferência em sobrados, além de locais para realização de atividades lúdicas, feiras, concertos ou, simplesmente, deve ser um espaço que contribua para o encontro fortuito dos moradores, facilitando o acesso ao transporte coletivo.

A cidade, em determinadas épocas, lamentavelmente, seguiu modelos de gestão ultrapassados, anacrônicos, deixando uma impressão de descrédito do cidadão na administração pública e seus agentes, de descrédito no ato de planejar com sucesso. Isso ocasionou na cidade graves patologias, baixando consideravelmente sua autoestima. Para fazermos uma verdadeira reforma urbana, os parâmetros vêm do Novo Urbanismo, que rejeita o zoneamento modernista, o qual prega a divisão do solo urbano em zonas, cada qual responsável por uma atividade específica (habitação, comércio, serviços etc.), como numa linha de montagem industrial, desumanizando as relações humanas. Por isso devemos começar a reforma urbana pelos bairros. Bairros, projetados seguindo os princípios do Novo Urbanismo, mais apropriados para uma superior qualidade de vida, necessitam conter uma multiplicidade de usos, ou seja, devem existir edifícios públicos (escolas, bibliotecas, posto de saúde etc.), parques, residências unifamiliares, apartamentos, escritórios, oficinas, comércio variado, todos eles articulados a partir do espaço público, agrupados em novas centralidades. Seguindo padrões internacionais vamos dividir a cidade em 5 regiões (norte, sul, leste, oeste e centro). Entretanto, a implantação deve ser feita conforme consta no Plano Diretor, capítulo IV, Da Produção e Da Organização Do Espaço Físico Municipal, seção IV, Da Estrutura Urbana.

Serão as novas centralidades onde seus moradores terão autodeterminação através de um Plano Diretor Bairro a Bairro.

O trânsito está caótico, perigoso e em colapso. As vias públicas não oferecem mais espaços para pedestres uma vez que os carros, cada vez mais numerosos, abarrotaram as ruas enquanto os passeios se transformaram em estacionamentos, caracterizando uma verdadeira terra de ninguém que cresce sem eira e nem beira, onde cada um se vira como pode, numa absurda e clara situação de violência e desumanidade.

Quanto ao transporte coletivo, não foi planejado para atender nem suas demandas atuais e muito menos para um futuro imediato. A cidade tem que atualizar-se, requalificar seus espaços e oferecer acessibilidade, melhorias constantes da qualidade de vida, qualidade ambiental, restabelecendo suas prioridades para os investimentos públicos, instalação de novas empresas privadas, geração de emprego e acesso a uma renda digna, valorizando as pequenas e médias empresas, aumentando desta maneira a arrecadação do Município e as possibilidades de investir no urbano onde vivem as pessoas, para que tenham melhores condições de locomoção e de habitação. Precisamos enfrentar com sabedoria e humanidade o progressivo empobrecimento de significativos segmentos da população e reduzir então as desigualdades. Isso se faz com esmero e determinação, elaborando e atualizando constantemente prioridades governamentais. Incentive novas ideias! Incentive a inovação! Não existe futuro, nem presente, sem ideias, acreditem!

Willian Fagiolo é arquiteto e urbanista. Sócio-proprietário da Willian Fagiolo Arquitetura & Urbanismo.

 

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