Para entender se é possível fruir a cidade nos deslocamentos a pé, conduzi uma pesquisa qualitativa durante a minha tese de doutorado na FAU USP – A cidade e o pedestre: mobilidade e fruição em São Paulo, com moderação do pesquisador José Roberto Labinas de Oliveira.
A tese vai estar disponível em setembro no banco de teses online da USP, mas alguns dos principais achados da pesquisa estão aqui.
Pontos negativos. A falta de infraestrutura em São Paulo
As pessoas se incomodam muito com a qualidade da nossa infraestrutura: calçadas, degraus, falta de árvores, faixas de pedestre e iluminação, subidas e descidas.
Há também os conflitos com os motoristas de automóveis, motos e ônibus, que não param nas faixas, aceleram, fazem barulho e fumaça.
Finalmente, há as questões relacionadas à sensação de insegurança e temor da violência, principalmente entre as mulheres.
“- Eu estava subindo uma rua outro dia e veio um cara com uma moto, eu fiquei com muito medo, eu mal conseguia respirar, no fim era só um entregador de pizza que parou em um prédio”. Mulher moradora de bairro central.
Os problemas de andar a pé se agravam muito na periferia
A percepção de moradores da periferia sobre o andar a pé demonstra que a falta de infraestrutura básica se mistura ao comportamento dos motoristas, que parece ser ainda mais agressivo nas ruas estreitas e sem radares.
“- Na periferia é tudo muito difícil, não tem faixa, não tem farol, não tem respeito, é diferente do centro”. Mulher moradora de bairro da periferia
Pontos positivos. O andar a pé pode gerar experiências muito prazerosas
Ao abordar os pontos positivos da caminhada, os entrevistados descreveram muitas experiências diferentes, do prazer físico à possibilidade de pensar na vida.
A decisão de andar traz sensação de liberdade:
“- Eu me sinto na vantagem, o trânsito para e você passa rindo deles”. Homem morador de bairro central.
Andar permite que a pessoa conheça melhor e descubra seu próprio bairro:
“- Eu adoro ver lojas, de carro a gente não vê nada, andando a gente vai vendo coisas, detalhes, se distraindo”. Mulher moradora de bairro central.
Andar pode ser uma ótima atividade física:
“- Eu não tenho o hábito de fazer atividade física então foi uma forma de movimentar, a caminhada virou uma rotina”. Mulher moradora de bairro da periferia.
Andar ajuda a otimizar o tempo, possibilitando resolver pendências no caminho:
“- Você vai resolvendo as coisas do dia a dia. Caminhando você não fica olhando para celular, você consegue desligar mais e fazer a sua cabeça funcionar para as outras coisas”. Mulher moradora de bairro da periferia.
Andar gera oportunidades de contato e possibilidades de encontros entre as pessoas:
“- Na rua é diferente, você para comprar uma coisa e já pode conhecer alguém ali, na padaria, na loja, eu tenho a impressão que as pessoas estão mais abertas na rua”. Homem morador de bairro central.
Finalmente, andar a pé permite relaxar, pensar, concentrar-se:
A sua cabeça fica mais aberta. Funciona melhor.Você fica mais com você mesma. – Mulher moradora de bairro central
As melhores reflexões da minha vida, eu tirei caminhando.– Homem morador de bairro central.
Conclusão
A riquíssima narrativa dos pedestres sobre suas experiências permite pensar em como a cidade poderia melhorar se as políticas públicas enfrentassem os problemas a partir deste ponto de vista.
Andar é o meio de transporte mais usado na cidade e traz uma série de experiências positivas.
O que a pesquisa mostra é que, com algumas mexidas estruturais, mais segurança e o cumprimento da legislação, andar a pé poderia ser uma experiência ainda mais estimulante e prazerosa.
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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas.